Lourival Sant’Anna: Veterano aos 39

Por Thaís Naldoni

Ele escreve como um medalhão, tem currículo de dinossauro e um nome pomposo, que remete à velha guarda das redações: Louri­val Sant’Anna. Sempre que o tempo fecha em algum canto do mundo, seja qual for, o bom e velho Estadão chama o Lourival. Crise institucional no México? Fidel agonizante em Cuba? Guerra do Afeganistão? Ocupação no Iraque? Conflito religioso no Líbano? Não tem nem o que discutir: chama o Lourival. Nenhum outro repórter do jornal circula com tanta desenvoltura pelo mundo. Mas, afinal, quem é o Lourival? Quando essa pergunta surgiu na reunião de pauta de IMPRENSA, o editor foi logo chutando: “Pelo nível do texto dele e pelas guerras que já cobriu, deve ser um veterano”. Será? Uma vez na sede do Estadão, o Lourival que aguardava para ser entrevistado não era um “dinossauro”, mas um moço de 39 anos de idade. Habemus Lead

Lourival não é do tempo da Olivetti, nem do past up. Graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Goiás, em 1986. Quando começou a trabalhar numa redação, em 1989, só faltava a Internet. “Assim que terminei a faculdade, engatei um mestrado em Filosofia, no Rio Grande do Sul, mas resolvi transferir o curso para São Paulo, na USP. Terminei os créditos e estava escrevendo a dissertação quando resolvi começar de fato a carreira de jornalista”, conta.

O primeiro emprego foi na Agência Folha, em 1989. Ficou lá apenas um ano. Como já falava fluentemente inglês, francês, espanhol e alemão (ele está estudando árabe hoje em dia), o jovem repórter percebeu que tinha fortes atributos para pleitear uma vaga na editoria de Internacional. Só que a vaga que ele queria não estava disponível na Folha. O jeito foi bater na porta do concorrente. “Depois de um ano na Agência Folha, procurei o Estadão porque soube de uma vaga na editoria de Internacional. Entrei como redator júnior, em 1990”.

O redator júnior estava no lugar certo, na hora certa. Em vez de se entregar à rotina das traduções das agências internacionais, Lourival passou a estudar exaustivamente os países que apareciam no noticiário e seus conflitos. A primeira experiência internacional como jornalista aconteceu em 1993. Depois de passar por uma seleção para o serviço brasileiro da BBC, Lourival foi viver em Londres, como parte do staff da agência. “Como o Estadão estava sem correspondente por lá, acabei ficando também como stringer do jornal”. Um ano e meio depois ele voltaria ao Brasil, dessa vez como editorialista, escrevendo principalmente sobre internacional. “Fiquei quase três anos como editorialista. Em 1998, passei a ser repórter especial e a viajar pela América Latina e Brasil”.

Em 2000, quando Pimenta Neves assumiu o Estadão, Lourival passou a ser editor-chefe. Isso culminou em uma experiência inusitada, já que com a saída de Pimenta por ocasião do assassinato de Sandra Gomide, ficou a seu cargo a transição de comandos até que Sandro Vaia (atual diretor de redação) assumisse suas funções.

 

Afeganistão: o primeiro conflito
No dia 11 de setembro de 2001, logo que o segundo avião se chocou contra as torres gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos, Lourival pegou um avião de São Paulo para Israel, já que a suspeita dos ataques estava ligada ao terrorismo islâmico. Durante uma semana, o jornalista escreveu sobre o terrorismo, a visão dos israelenses, as informações que tinham os israelenses e o sentimento dos palestinos. “Assim que se concretizou a tese do Afeganistão e do Osama Bin Laden, fui para o Paquistão. Lá, fiquei baseado em Islamabad por várias semanas, já que as fronteiras do Afeganistão estavam seladas. Mas consegui entrar no país e entrevistar os Taleban, na cidade de Kandahar, sul do país”, lembra. Da experiência, nasceu o livro “Viagem ao mundo dos Taleban”.

 

Iraque: visto só para a Folha
Já a cobertura da guerra do Iraque começou com uma inusitada dificuldade burocrática. No Brasil, a embaixada iraquiana não cedeu visto ao jornalista do Estadão. “O embaixador deu visto só para a Folha. Segundo ele, a Folha tratava Saddam Hussein como um ditador e ele tinha interesse que a Folha estivesse lá para conferir que não era nada disso”, diverte-se. “As restrições de visto para o Iraque aconteceram porque sempre tinha uma pessoa do país vigiando os visitantes. No nosso caso, o vigia tinha que falar português, o que reduzia bastante o número de pessoas capacitadas”, explica Lourival.

Na tentativa de driblar a burocracia, o jornalista foi para a Jordânia tentar o visto, mas a empreitada também foi frustrada. “Acabei pegando só o fim da guerra e o começo do conflito que se arrasta até hoje. Entrei no país no dia em que a estátua de Saddam caiu. Quando estava na Jordânia, embora acompanhasse os acontecimentos, passei por uma situação péssima, impedido de fazer a cobertura in loco”.

No entanto, uma história da época do Iraque é lembrada com carinho por Lourival. Antes de embarcar para o país, o jornalista esteve com uma família iraquiana que mora em São Paulo e que estava sem notícias dos familiares desde o início dos bombardeios. Eles deram ao jornalista um endereço e uma carta. “Encontrei a família, entreguei a carta e levei-os ao hotel para que pudessem conversar com quem estava no Brasil pelo telefone via satélite do jornal. A emoção foi muito grande. O sobrinho da mulher iraquiana estava vestido com uma camisa do Ronaldo, quando no Milan. Fiquei feliz porque é complicado dar uma boa notícia durante uma guerra e eu consegui”.
Publicado na Revista Imprensa. Todos os direitos reservados. 

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*