“Muitas vezes, a guerra chegou por onde eu não esperava”, diz Lourival Sant’Anna

Lourival Sant’Anna construiu uma carreira meteórica no jornalismo. Começou em 1990, ano em que estreou como redator de Internacional no Estadão. Em dez anos, já ocupava o cargo de editor-chefe do diário paulista. Neste intervalo, ainda teve passagens por Folha e BBC.

Em 2001, tornou-se repórter especial do jornal, cargo que ocupa até hoje. É um dos mais importantes correspondentes de guerra em atividade no país. Um dos convidados da mesa de  debates do último dia de Midia.JOR, Sant’Anna falou à IMPRENSA.

Lourival Sant’Anna em entrevista à Imprensa/ Alf Ribeiro

Na entrevista abaixo, conta sobre a experiência de cobrir conflitos em uma era em que não há duelo entre dois exércitos – “É um mundo bastante caótico” –, de como se manter seguro neste novo ambiente e do desafio de produzir, sozinho, materiais de texto, foto e vídeo, em um cenário de barbárie.

 

IMPRENSA –Com que tipo de guerra um correspondente se depara hoje?

LOURIVAL SANT’ANNA – Hoje, a cobertura é em países menores ou, principalmente, em meio às guerras civis, além das guerras muito assimétricas, como EUA contra o Iraque ou Israel contra o Líbano. Os conflitos entre grandes exércitos, com linhas claras de divisão, não existem mais. Hoje, você tem a guerra de guerrilha, que o coloca muito mais próximo do conflito.

 

Como isso afeta a segurança do jornalista?

Uma parte dos combatentes não é de militares, mas civis que não respeitam uma hierarquia e atuam de forma espontânea. Além disso, o combate chega até você de maneira muito mais rápida e imprevisível. Na guerra tradicional, você pode ver as divisões, tanques, infantarias chegando, por binóculos e tentar sair de lá. Vivi muitas experiências assim, em que a guerra chegou por um lado que eu não esperava.

 

Que tipo de procedimentos o jornalista pode adotar para se proteger?

Como o conflito não tem regras, você não pode ter muitas regras também. Você tem que ser altamente adaptativo.

 

É muito comum se falar em jornalistas tutelados pelos exércitos que os acolhem. Isso acontece ainda hoje?

Sim, é uma situação remanescente da guerra tradicional. O correspondente era aceito por um exército e passa a seguir as ordens dele. A imparcialidade era quase impossível. Militares não brincam com informação. É claro que isso acontece hoje ainda, mesmo entre os combatentes civis. Na Líbia, eles se organizam para evitar que jornalistas vejam certas coisas e para difundir informações incorretas. Isso coloca sua vida em risco. Eu já quase morri por conta disso.

 

Você é um repórter que produz texto, fotos e vídeos dos conflitos. Como se preparar para realizar tudo isso em um ambiente de guerra?

No meu caso, eu tenho uma jaqueta onde cabe a câmera, o gravador e o bloco de anotações perfeitamente. Para mim, é muito importante passar invisível, até porque eu tenho uma cara que pode passar por árabe, paquistanês, indiano, muitas coisas. Então, consigo passar muitas vezes despercebido.

 

De onde veio a ideia de expandir o trabalho com texto para fotos e vídeos?

Em 2006, comecei a usar a fotografia nos bombardeios. Quando chegaram para mim os cartões de memória mais potentes, passei a anotar menos e fotografar mais. Com cartões ainda mais potentes ainda, comecei a fazer vídeo. Conforme o portal do Estadão consolidou uso de vídeo e podcasts, fui investindo na edição desse material.

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