Turquia luta em várias frentes

Quando o inimigo do seu inimigo não é seu amigo

O governo da Turquia conduz uma guerra em múltiplas frentes, ou, mais precisamente, várias guerras ao mesmo tempo, que ameaçam desestabilizar o país, membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte e estrategicamente situado entre a Europa e o Oriente Médio. Só nesta segunda-feira, seis pessoas foram mortas em diversos atentados contra as forças de segurança e o consulado dos Estados Unidos em Istambul. Os ataques contra as forças de segurança foram atribuídos aos guerrilheiros do PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, enquanto um grupo de extrema esquerda foi responsabilizado pelo ataque ao consulado.

Ao mesmo tempo, a Turquia está em guerra com o Estado Islâmico, que por sua vez enfrenta no terreno os guerrilheiros curdos. Neste caso, no entanto, o inimigo do seu inimigo não é o seu amigo. Ao contrário. A Turquia sofre de um severo desalinhamento com relação aos conflitos na região.

Ao longo sobretudo dos anos de 2012 e 2013, o governo de Erdogan fez vista grossa à entrada de combatentes islâmicos no norte da Síria – quando não a incentivou -, que passaram pelo território turco. Fala-se de um vôo criado pela estatal Turkish Airlines que ia vazio de Istambul para Áden, no Iêmen, e voltava cheio de passageiros barbudos. O objetivo era ter um futuro governo amigo em Damasco, como era o de Bashar Assad, antes da Primavera Árabe, que levou à ruptura entre a Turquia e a Síria. E um governo com o qual, além disso, haveria uma identidade ideológica, já que Erdogan também provém do chamado Islã político.

A ascensão do Estado Islâmico, que isolou, derrotou ou absorveu as outras células islâmicas, obrigou a Turquia a abandonar essa estratégia. Com sua virulência desmedida, com sua agenda própria e seu desprezo pelas fronteiras nacionais, o EI não se mostrou um aliado possível. Depois da invasão do Iraque, no ano passado, a perseguição a não-árabes e a não-sunitas e a decapitação de americanos e ingleses, os Estados Unidos e aliados se engajaram em uma guerra de coalizão contra o EI. A Turquia, como membro da Otan, não poderia manter a posição de suposta neutralidade e mal disfarçado apoio às células islâmicas. Além disso, no terreno, o EI passou a fazer frequentes incursões em território turco, na caçada a guerrilheiros curdos.

A guerra de resistência do PKK e de seus aliados contra o EI, que partiu para o extermínio dos curdos no norte da Síria, elevou a proeminência da guerrilha curda, e, com ela, reacendeu os conflitos com o Exército turco, levando as negociações entre o governo e a liderança curda a um impasse.

A preservação ou reconquista da influência sobre a Síria e sobre o Curdistão iraquiano continua desejável para a Turquia, mas se torna secundária diante da urgência de recuperar o domínio sobre o sul do país. Esse interesse, combinado à necessidade de atender os Estados Unidos e a Otan, fez a Turquia lançar-se na guerra contra o Estado Islâmico. O esforço militar ocorre em um momento de fragilidade da economia turca, combalida pela interrupção das exportações para a Síria, pela diminuição do comércio com o Curdistão iraquiano, pela presença de 1 milhão de refugiados sírios na Turquia e por problemas internos de gestão e de instabilidade política. Mas é agora ou nunca.

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