Benefícios da imigração

A hostilidade aos imigrantes ocorre em razão do desconhecimento

O governo do presidente Donald Trump anunciou na terça-feira a revogação do Daca, programa instituído em 2012 pelo qual imigrantes ilegais que cresceram nos EUA podiam regularizar sua situação no país. A iniciativa ameaça 740 mil beneficiários. E não só eles, mas também vários setores da economia americana, como educação, construção civil e saúde, que os empregam.

Até mesmo a Apple afirmou ter 250 participantes do programa em seus quadros. Houve reação de dirigentes de algumas das empresas mais importantes do país, como Facebook, Goldman Sachs, JP Morgan Chase, Walt Disney e Uber, além da Apple, contra o fim do programa. Os sobrenomes desses executivos – Zuckerberg, Blankfein, Khosrowshahi – demonstram a importância da imigração para o dinamismo e a inovação nos EUA.

Imigrantes são alvo fácil de políticos, como forma de manipular a tendência dos seres humanos de culpar “o outro” pelos problemas, de despejar sobre ele o ódio acumulado pelas frustrações cotidianas. É uma necessidade tão universal que não atinge apenas as sociedades prósperas, capturadas pela fantasia de que os imigrantes roubam empregos, sugam benefícios e sobrecarregam serviços públicos. Nas duas últimas semanas, assistimos à perseguição dos rohingyas, minoria muçulmana em Mianmar, como aconteceu em 1994 com os tutsis, em Ruanda, e tantos outros povos e lugares.

A direita republicana americana, a começar pelo secretário de Justiça, Jeff Sessions, espalha crenças infundadas sobre os beneficiados do Daca, uma a uma derrubada pelas estatísticas. Eles cometem muito menos crimes que os cidadãos nascidos nos EUA; pagam muito mais impostos do que recebem em benefícios; têm nível de instrução relativamente alto, já que o programa exige no mínimo conclusão de ensino médio; não estimulam a entrada de ilegais, porque o Daca não aceita quem chegou depois de junho de 2007, e porque as tentativas de cruzar a fronteira clandestinamente diminuíram depois de sua adoção; e não diminuem a oferta de empregos, pois também são consumidores e impulsionam a economia.
Em 2004, na cobertura da primeira eleição presidencial no Afeganistão depois da derrubada do Taleban, deparei com um exemplo do ativo que a imigração representa para os EUA, ao entrevistar Zalmay Khalilzad, recém-empossado embaixador americano em Cabul. Então com 50 anos, ele nasceu em Mazar-i-Sharif, no norte do Afeganistão, e foi morar nos EUA com 20 anos, num programa de intercâmbio estudantil. Num momento delicado como aquele, de ocupação de um país de complexo tecido étnico e social, os EUA podiam se dar o luxo de serem representados por alguém que conhecia profundamente o Afeganistão, falava suas línguas e servia de ponte natural entre os dois povos.

Em um discurso na Universidade Estadual de Portland, em junho de 1998, o então presidente Bill Clinton fez uma defesa contundente dos benefícios do multiculturalismo: “Acredito que novos imigrantes sejam bons para a América. Eles estão revitalizando nossas cidades, construindo nossa nova economia. Estão energizando nossa cultura, ampliando nossa visão do mundo e renovando nossos valores mais básicos.”

A hostilidade aos estrangeiros parte do desconhecimento. Isso ficou claro na eleição presidencial francesa deste ano. Como aliás já haviam apontado pesquisas, os franceses apoiaram a agenda xenofóbica da candidata Marine Le Pen nas regiões em que há menos imigrantes. Inversamente, os eleitores mais expostos aos contatos com estrangeiros votaram no presidente Emmanuel Macron, que defendeu a acolhida de refugiados e a manutenção do Espaço Schengen, que permite a livre circulação de pessoas pela Europa.

Envolto nos seus problemas prementes, o Brasil não discute um projeto de país. Mas, quando o fizer, seria bom se incluísse um programa de incentivo à entrada de estrangeiros, com serviços públicos que criem condições para sua adaptação. O programa Mais Médicos foi uma corajosa iniciativa nessa direção. É muito vantajoso receber pessoas que trazem consigo o investimento de seus países em sua formação profissional, que chegam com sonhos e resiliência para realizá-los. É preciso ampliar isso para outras profissões. Quem sabe não seja essa a sacudida que falta para acordar o Brasil?

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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