Medo do desconhecido

As pessoas votam contra os imigrantes quando não têm contato com eles; quando não os conhecem a não ser pela televisão, estão mais propensos a odiá-los

É difícil entrevistar o açougueiro Mourad Fil no horário comercial. Não param de chegar fregueses ao seu açougue halal (de animais abatidos segundo o preceito islâmico) no centro de Hénin-Beaumont, reduto da Frente Nacional (FN) no norte da França. Nessa cidade com relativamente poucos imigrantes (3,8%, quando o índice nacional é 8,7%), 9 em cada 10 de seus fregueses são franceses e cristãos: “Eles vêm comprar minha carne, porque ela é boa e porque os recebo sempre com um sorriso”, explica Fil, com sua voz e gestos suaves.

Centenas de imigrantes do Leste da Europa e de refugiados da África e do Oriente Médio foram retirados de acampamento improvisado no norte da capital francesa | AFP Photo/ Philippe Lopez

Filho de pai argelino e mãe marroquina, Fil, nascido na França há 41 anos, votou no candidato de esquerda Jean-Luc Mélenchon no primeiro turno, e no de centro, Emmanuel Macron, no segundo, para barrar a Frente Nacional de Marine Le Pen: “Ela é antissemita”. A palavra “semita” une na história judeus, árabes e iranianos, entre tantos outros povos. Com base nas origens geográficas e linguísticas comuns, é um conceito anterior às divisões religiosas e geopolíticas.

Com sua origem associada ao regime pró-nazista de Vichy e à recusa em abrir mão da Argélia, a FN rejeita o que quer que destoe do estereótipo francês, seja judeu, muçulmano ou negro. O fato de a pequena Hénin-Beaumont, de 25 mil habitantes, ter poucos imigrantes e, ao mesmo tempo, dar uma das maiores votações recebidas por Le Pen (62%) não é acidental. Na região de Haute-Marne (nordeste), onde a votação para a FN superou 90% em alguns vilarejos, a fatia de imigrantes na população também é de 3,8%.

Oito de cada dez imigrantes na França moram em cidades grandes. Em Paris, por exemplo, onde eles representam 17,7% da população, Macron teve 90% dos votos. Em contrapartida, nas pequenas cidades da zona rural, onde praticamente não existem imigrantes, a FN teve suas melhores votações: em 42% das localidades com 500 a 1.000 habitantes, e em 44% daquelas com 100 a 500.

Entretanto, a imigração foi o segundo tema de maior preocupação dos eleitores (26% de citações), superado apenas pelo poder aquisitivo (27%), e à frente do desemprego (25%), do terrorismo (24%) e dos impostos (21%). Ou seja, não é por falta de relevância do tema. Le Pen prometeu uma moratória na imigração, responsabilizando os estrangeiros por virtualmente todos os males do país.

Contato. O que tudo isso quer dizer? Que as pessoas votam contra os imigrantes quando não têm contato com eles. Quando não os conhecem a não ser pela televisão, estão mais propensos a odiá-los. Outro dado contra-intuitivo é a crescente adesão à FN dos filhos de estrangeiros e até de imigrantes há muito tempo na França.

O turco Cyril Ermagan, de 42 anos, há 25 na França, que trabalha com impermeabilização de telhados em Hénin-Beaumont, votou no primeiro turno em François Fillon, de centro-direita, e no segundo turno em Le Pen: “Há muita criminalidade, muitos ladrões, e precisamos nos livrar deles. Também temos de tirar daqui os terroristas.” Fillon propôs maior controle das fronteiras.

Filho de portugueses, Dominique Dominguez, de 42 anos, colega de Ermagan, votou em Le Pen já no primeiro turno: “Há os que trabalham e os que fazem bagunça, incluindo os que fizeram os atentados. Temos de expulsá-los. Com Macron, os filhos dos estrangeiros que vivem fora vão poder ter moradia na França. Para isso há dinheiro. Os políticos fazem muitas coisas pelos que não trabalham e pelos que trabalham não fazem nada.”

Dominguez não é um caso isolado. Um quarto dos candidatos de origem portuguesa que disputaram as eleições departamentais de 2015 na França concorreu na lista da FN.

O indiano Tirou Vingadame, de 51 anos, que chegou à França aos 29 anos, estava exultante de finalmente poder votar em Le Pen, para “devolver a França aos franceses”. Encarregado de serviços gerais em uma empresa, ele explicou: “Se eu venho a sua casa, encontro outra religião, outra cultura, devo respeitar, para que você fique tranquilo. Nasci na Índia, mas a França é como se fosse minha mãe”.

Ouvi declarações semelhantes de imigrantes eleitores de Donald Trump: seu esforço de se legalizar, de se adaptar e adotar o país como sua pátria parece ser mais valorizado quando apoiam o endurecimento contra os que não conseguiram entrar ou regularizar sua situação.

Em síntese: o desemprego, a sobrecarga dos serviços públicos e a situação concreta das pessoas não explicam o ímpeto de excluir o outro. O que explica é o seu uso político e o quanto as pessoas estão psicologicamente propensas a aderir.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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