Palavras e ações

Trump deve aparentar que cumpre suas promessas enquanto estimula economia

Participei esta semana em Marrakesh dos Atlantic Dialogues, uma conferência que reúne integrantes de governos, executivos de empresas, economistas, analistas políticos e ativistas, para discutir o estado do mundo. Foi minha quarta vez consecutiva e nunca tinha visto o evento dominado por um só tema: Donald Trump. Em todos os debates, sobre imigração, terrorismo, religião, comércio, desenvolvimento, democracia e populismo, aflorou a figura do presidente eleito e a pergunta: o que ele vai realmente fazer?

Conversei com vários diplomatas de carreira americanos, sob a condição do anonimato. Seu humor é o mais volátil de todos. Eles ficaram sabendo em Marrakesh que sua área agora ficará sob o comando de um executivo do setor do petróleo – Rex Tillerson, ex-CEO da ExxonMobil.

Contrariando todas as projeções da eleição nos Estados Unidos, o magnata Donald Trump derrotou a democrata Hillary Clinton | AFP

Um deles foi encarregado de fazer contatos com a equipe de transição de Trump e contou, resignado, que os assessores do presidente eleito não demonstraram interesse específico em nada, nem que pareciam ter muita ideia do que pretendiam fazer.

Outro disse ter esperanças de que Tillerson, mesmo não tendo experiência com política externa, entenda o que está em jogo nas relações entre os países, com sua vasta vivência com contratos internacionais e com o mundo do petróleo. Republicano, esse diplomata contou ter ficado inicialmente animado com o fato de a ex-secretária de Estado Condoleezza Rice e o ex-secretário de Defesa Robert Gates – “duas pessoas que respeito”, disse ele – terem endossado o nome de Tillerson. “Depois fui ver que ambos receberam dinheiro da Exxon por assessorias”, continuou o diplomata, fazendo o sinal de aspas entre “assessorias”. E perguntou, amargamente: “Os Estados Unidos estão à venda?”

Um terceiro me disse que, pelo que ouviu falar das pessoas que conhecem bem Trump, “é alguém sem decência e sem princípios”. Todos, de uma forma ou de outra, sentem que os EUA se tornarão agora um país parecido com aqueles que eles criticavam, por seus governantes populistas e pela intromissão dos militares nos assuntos civis. Trump indicou generais para os cargos de secretários da Defesa e do Interior e conselheiro de Segurança Nacional. Pode parecer normal para países com tradição autoritária, como o Brasil, mas, desde que o direito do Império Romano cunhou a expressão “atravessar o Rubicão”, significando que os militares não deviam se meter nos assuntos de Roma, a democracia está associada à ideia de os civis formularem as políticas e os militares, quando for o caso, as executarem. Agora, os militares cruzaram o Potomac, o rio que banha Washington.

Outro diplomata de carreira, que atuou na área de segurança, e também é republicano, embora não tenha apoiado Trump, disse que é impossível saber o que o presidente eleito fará, porque ele deu declarações contraditórias, por exemplo, com relação à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Mas, na hipótese, por exemplo, de a Rússia invadir a Polônia, disse ele, “Trump hiper-reagiria, assim como Obama sub-reagia”.

Um ex-deputado republicano que também não apoiou Trump e trabalha na área do comércio elogiou o gesto do presidente eleito de conversar pelo telefone com a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen. “Os EUA não podem deixar que a China dite suas políticas. É hora de ser mais duro com os chineses e seguir nossos princípios”, disse ele. O que o preocupa é o risco de uma guerra comercial com a China.

Vítimas. Adam Posen, presidente do Peterson Institute for International Economics, previu que os eleitores de Trump, os brancos sem diploma superior, serão os mais prejudicados pelas políticas dele. A questão crucial, então, seria a de saber quanto tempo esse impacto levaria para ser sentido: menos ou mais de quatro anos? Noutras palavras: Trump se reelegerá?

O mais provável é que Trump tenha consciência disso e, como a primeira preocupação de quase todo político, ao se eleger, é com a sua reeleição, vá adotar um mix de políticas, que deem a aparência de cumprir suas promessas, enquanto toma medidas que efetivamente estimulem a economia, como é o caso de obras de infraestrutura.

O governador de Nevada, Brian Sandoval, outro republicano que não apoiou Trump, mostra-se otimista: “Os primeiros sinais são de que a nova administração virá com investimentos em massa em infraestrutura. Ao menos preliminarmente, será positivo.”

Mas a melhor definição veio do embaixador palestino em Rabat, Hassan Rahman. Perguntei se ele estava preocupado com a aparente tendência de Trump de apoiar incondicionalmente as posições de Israel. “Não, acho que o Congresso vai impor limites e o Departamento de Estado vai explicar para ele os riscos”, respondeu Rahman. “Estou preocupado mesmo é com os americanos, com a Suprema Corte, a supressão dos direitos das mulheres e das minorias.” Quando um palestino se preocupa mais com os americanos do que com os próprios palestinos é porque realmente a situação é grave.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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