Ao lado de Mbeki, Lula diz que ‘apenas constatou o óbvio’

‘Nem tudo que falamos é entendido do jeito que gostaríamos’, lamenta presidente

 PRETÓRIA, África do Sul – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem ter dito “apenas o óbvio” quando declarou, na Namíbia, na sexta-feira, que não esperava encontrar na África uma cidade tão “limpa e bonita” quanto Windhoek, a capital namibiana, e que a visão que se tinha da América do Sul e do Brasil é a de que “somos todos índios pobres”. A declaração provocou repúdio de militantes do movimento negro no Brasil.

“Acho que as pessoas que me criticam em vez de teorizar deveriam fazer uma visita pela África para ver as diferenças dentro dos países e aí quem sabe eles não dirão mais nada”, recomendou ontem Lula, durante entrevista coletiva ao lado do presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, nos jardins dos Union Buildings, a sede do governo em Pretória.

“Nem tudo que nós falamos é entendido do jeito que nós gostaríamos que fosse entendido pelas pessoas”, lamentou o presidente. “Vocês estiveram comigo na viagem. Vocês viram a diferença de cada cidade, de cada rua. Eu constatei apenas o óbvio. Tem país que conseguiu a paz há mais tempo e por isso teve mais tempo para se dedicar à construção das coisas em que acreditava.”

Antes da Namíbia e da África do Sul, Lula esteve em São Tomé e Príncipe, um dos menores e mais pobres países da África; em Angola, devastada por uma guerra civil de 27 anos, terminada no ano passado; e em Moçambique, cuja guerra civil terminou em 1992, e agora vive um boom de crescimento econômico. Namíbia, um país de apenas 1,9 milhão de habitantes, herdou a arquitetura da Alemanha e a infra-estrutura da África do Sul, das quais foi colônia até a 1.ª Guerra Mundial e até 1990, respectivamente.

O presidente pegou a África do Sul como exemplo. “Poucos países do mundo tiveram a felicidade de ter um líder da envergadura do (Nelson) Mandela, assumindo a presidência depois de tanto tempo em que os negros foram marginalizados”, elogiou Lula. “Mandela para mim é o símbolo da paciência, da competência e da habilidade política. Porque quando muitos queriam vingança, Mandela soube compor. Nenhum branco foi marginalizado.”

Lula lembrou ter ficado supreso ao visitar a África do Sul em 1994, quando Mandela se elegeu presidente, porque os ministros negros ministros-adjuntos brancos, e vice-versa. “Obviamente que essa política de paz permitiu que esse país avançasse muito mais do que outro que teve que dedicar parte do seu tempo a lutas fratricidas internas”, concluiu o presidente.

Os integrantes negros da comitiva saíram em defesa do presidente. “Há várias Áfricas. Isso tem que ser dito”, disse o ministro da Cultura, Gilberto Gil. “É surpreendente ver uma cidade limpa na África.” Para a secretária de Política de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, “não podemos gastar nossa energia com uma frase quando há um contexto muito maior”. “Vocês fizeram a mesma análise da pobreza e da miséria”, disse a ministra da Assistência Social, Benedita da Silva, referindo-se às diferenças entre os países da África.

“Não vi nada de mais”, resumiu o deputado Vicente Paulo da Silva (PT-SP). Vicentinho entregou a Mbeki o título de cidadão honorário de São Bernardo do Campo para Mandela. O líder negro, que está em sua terra natal, o bantustão de Kwazulu-Natal, não quis vir encontrar-se com Lula, que por sua vez precisaria fazer um vôo de 1 hora e 45 minutos de helicóptero até lá, o que foi descartado.

Tanto Lula quanto Mbeki estavam de bom humor. O presidente sul-africano disse que mandaria seu ministro das Finanças, Trevor Manuel, para ir aprender samba no Brasil. Ao anunciar o apoio à candidatura da África do Sul a sede da Copa do Mundo de 2010, Lula impôs uma condição: “Desde que não nos peçam para perder a Copa.”

Os dois países manifestaram também apoio às candidaturas recíprocas a membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e firmaram dois acordos: um para evitar evasão fiscal e bitributação e outros de cooperação científica e tecnológica.

Lula e sua comitiva de cerca de 60 pessoas embarcaram para São Paulo às 14h locais (10h em Brasília).

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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