Com 5 mulheres e 21 filhos, Zuma amplia seu complexo residencial

NKANDLA, África do Sul – Do outro lado do vale, já se vêem as 13 cabanas redondas de paredes de argila pintadas de salmão, telhado de palha e tamanhos variados. Ao lado dessas construções tradicionais da arquitetura zulu – em que cada cômodo é uma cabana individual -, está sendo erguido um sobrado ao estilo convencional. “A família está crescendo”, constata Sebenzile Shange, afiliada do presidente Jacob Zuma, o dono do complexo residencial no vilarejo de Nxamalala, onde nasceu, na província de Kwazulu-Natal.

Entusiasta da tradição de poligamia dos zulus, Zuma, de 68 anos, casou-se cinco vezes e se divorciou uma, tem 21 filhos oficiais e um número incerto de amantes e filhos extraconjugais. Sebenzile, funcionária da prefeitura de Nkandla, o município onde se situa o vilarejo, reconhece que a instituição da poligamia serve justamente para evitar que os homens tenham amantes: “Não é aceitável.” Mas, como boa parte dos sul-africanos, perdoa esse e outros deslizes de seu presidente, acusado de estupro e corrupção, e liberado dos processos quando se tornou candidato, em 2009: “Ele é uma pessoa muito boa, muito amável, que dedica tempo para ouvir cada pessoa.”

Sebenzile, suas duas irmãs e um irmão tiveram os estudos pagos por Zuma depois que o pai deles morreu, em 1996. Eles eram vizinhos. O pai dela pertencia ao Partido da Liberdade Inkatha, como todos em Nxamalala, com exceção de Zuma e de outro morador, que teve a casa queimada por isso – ambos do Congresso Nacional Africano (CNA), que governa o país desde o fim do apartheid e da primeira eleição multirracial, em 1994. “Ele cuida de todo mundo”, explica Sebenzile, à pergunta sobre se o fato de seu pai ser do Inkatha não os impediu de serem amigos.

Uma visita a Nxamalala ajuda a entender a extraordinária identificação que une Zuma aos negros sul-africanos em geral e aos zulus (24% da população) em particular. O complexo residencial de Zuma – guardado por apenas dois policiais na tarde de quarta-feira – está rodeado de cabanas humildes, onde moram seus irmãos e sobrinhos, testemunhando a origem humilde do presidente, cujo pai era um policial que morreu quando ele era pequeno e cuja mãe era empregada doméstica. Pessoalmente, Zuma cultiva há muito tempo hábitos caros como carros de luxo e outras regalias, mas ao mesmo tempo mantém suas raízes intactas.

“Ele está cuidando bem de toda a família, veio ao funeral do meu marido”, recorda Mame Zuma, viúva de um sobrinho do presidente, morto no ano passado. Mame e seus oito filhos continuam morando em suas quatro cabanas, de frente para um pequeno curral com uma vaca, um bezerro e algumas galinhas, o padrão dos agricultores de subsistência de Nxamalala. O único morador rico do vilarejo é Khula Zuma, sobrinho do presidente, empresário da área de minérios, sócio de um neto do ex-presidente Nelson Mandela, Zondwa Mandela. Mas sua riqueza é anterior à ascensão do tio ao poder.

Na noite de quarta-feira, Welly Sange, de 32 anos, professora na escola primária de Nxamalala e irmã de Sebenzile, preparava-se para ir passar uma ou duas semanas das férias de inverno no palácio presidencial, em Pretória. “Ele me ligou, disse que estava com saudade e me chamou para ir visitá-lo”, explicou Welly com simplicidade. “Ele é muito legal. É uma pessoa comum, como nós. Ele nos adotou como filhos.”

Welly lista as comidas tradicionais zulus preferidas de Zuma, exatamente as que as pessoas comuns apreciam: feijão, mandioquinha, espinafre, batata doce, mingau de milho branco, phutu (massa de milho branco que substitui o arroz) e idombolo (espécie de rosca).

As irmãs acham que o seu caso inspirou o presidente a criar o Zuma Education Trust Fund, que desde 1996 distribui bolsas de estudos para crianças e jovens carentes, com ajuda de empresários, e que é uma das razões da popularidade dele.

Zuma tem ainda a peculiaridade de ser o primeiro presidente zulu da história da África do Sul, embora seja o maior grupo étnico do país. Os dois primeiros presidentes – Nelson Mandela e Thabo Mbeki – são da etnia cossa, segunda maior, com 18%. Ele conseguiu a proeza de manter uma imagem ostensivamente zulu – entoando e dançando o hino guerreiro “Traga minha metralhadora”, tradicional da etnia – e ao mesmo tempo angariar a confiança dos outros grupos étnicos, abrigados no CNA.

“Não o vemos como um presidente dos zulus, mas o fato de ser zulu e vir da área rural é histórico”, explica Ndabakazipheli John Khuzmaio, de 70 anos, um dos 300 chefes tribais zulus, ele mesmo com 3 mulheres, 16 filhos “e muitas amantes”. “Significa que, como zulus, produzimos um presidente.”

Mas isso não quiser que não enfrente oposição entre os zulus – até mesmo em sua terra natal. O prefeito de Nkandla, cuja sede está separada de Nxamalala por uma estrada de 50 km, em parte de terra e em parte esburacada, que está sendo pavimentada, pertence ao Inkatha, partido quase exclusivamente zulu. “Até agora, não fez nenhuma diferença para Nkandla ter um presidente daqui”, diz o prefeito Zuelabo Oscar Zulu, de 42 anos. “Mas ele só tem um ano de governo”, desculpa o prefeito, que é também diretor de uma escola secundária. “E não é presidente de Nkandla, mas da República.”

Formado em pedagogia na Universidade Zululand, em Kwazulu-Natal, Zulu enumera as diferenças entre o Inkatha e o CNA: mais autonomia para as províncias, em vez do centralismo; livre iniciativa e interferência mínima na economia, no lugar do controle do Estado; ênfase na formação de profissionais para o mercado, e não na educação acadêmica.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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