Governo tenta eliminar subsídios. Ativistas são contra

Militante do MST diz que não há contradição entre visão de europeus e brasileiros

JOHANNESBURG – Apenas 25 quilômetros separam o Centro de Convenções de Sandton, onde se realiza a parte oficial da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +10, e o parque de exposições de Nasrec, no qual ocorrem os eventos paralelos da sociedade civil. Mas, no que se refere a uma das questões mais sensíveis para o Brasil, a dos subsídios agrícolas, a distância é imensa.

Enquanto os diplomatas brasileiros lutam em Sandton para incluir no Plano de Implementação da Agenda 21 um parágrafo comprometendo os países ricos a eliminar os subsídios para a produção agrícola destinada ao mercado interno, em Nasrec e no acampamento dos sem-terra atrás do parque de exposições, ativistas brasileiros e seus companheiros de outros países do mundo defendem o contrário: a manutenção ou introdução dos subsídios.

“Os pequenos agricultores europeus defendem o subsídio à agricultura como nós, mas não o dumping e o subsídio às exportações”, explica Moacyr Villela, um dos dois militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) que vieram a Johannesburg. A Via Campesina, o movimento internacional dos sem-terra e de grupos indígenas ao qual o MST está filiado, não defende a Política Agrícola Comum (PAC) da União Européia em sua totalidade. “A PAC é ambígua. Favorece grandes corporações do agrobusiness, como a Nestlé e a Parmalat.”

Segundo Villela, o líder camponês José Bové, por exemplo, condena claramente os subsídios à exportação. Bové, uma das estrelas da Via Campesina, não pôde vir à África do Sul porque aguarda julgamento no dia 17, por ter liderado a destruição de uma plantação transgênica na França. “A política dos países e dos pequenos agricultores é completamente diferente, tanto na Europa quanto no Brasil”, observa Villela.

No esboço do Plano de Implementação, já foram aprovados parágrafos que pedem a eliminação dos subsídios à exportação, nos termos da declaração aprovada na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Doha, em novembro. Agora o Brasil e seus aliados querem incluir menção específica aos produtos agrícolas e também aos subsídios destinados ao mercado interno.

A visão dos militantes é a de que o pequeno agricultor, aquele que produz alimentos para o mercado interno, deve ser ajudado pelo governo não só por razões sociais mas também estratégicas. “A agricultura é indispensável. Ninguém consegue viver sem matéria-prima e comida”, argumenta Villela, um arquiteto de 58 anos que há 22 foi viver numa gleba de 20 hectares num assentamento da Igreja em Cunha, interior de São Paulo.

“O Japão, grande importador de produtos agrícolas, defende o subsídio, que aplica à sua pequena produção.” Para o governo brasileiro, a questão também é estratégica, mas sob outro ângulo: o das exportações. De acordo com essa visão, os subsídios, além de barrar a entrada dos produtos agrícolas dos países em desenvolvimento nos mercados dos países ricos, deprimem os preços das commodities, ao custear parte de sua produção Villela garante que essa é uma causa apenas parcial, que se aplica, por exemplo, ao leite, objeto do dumping europeu. “Para a soja, por exemplo, que é produzida pelos Estados Unidos, Brasil e Argentina, não existe subsídio, e o seu preço caiu 30% nos últimos 15 anos, em razão do aumento da produtividade”, diz ele.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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