‘O Brasil vai jogar no ataque’, afirma ministro

José Carlos Carvalho aponta riscos e vantagens competitivas para o País na Rio +10

BRASÍLIA – Nestes dez anos que separam as Conferências do Rio e de Johannesburg, o Brasil abandonou uma posição defensiva em relação aos temas do meio ambiente, em que era alvo constante de críticas da comunidade internacional, para tomar a dianteira, na América Latina e no Caribe, das pressões contra os países desenvolvidos. Essa é a avaliação do ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho.

Nessa nova condição, o Brasil lutará, em Johannesburg, para consolidar as conquistas da Agenda 21, firmada no Rio, e para avançar em propostas específicas, como a do patamar de 10% de fontes renováveis de energia nas matrizes energéticas de cada país. Essa idéia, ao lado dos limites de emissão de gases do Protocolo de Kyoto, pode inaugurar um lucrativo mercado para o Brasil, com a venda do que ele tem de sobra – biomassa e florestas – para países desenvolvidos premidos por esses compromissos.

Mas Johannesburg não é sinônimo só de oportunidade. Contém, também, riscos. Os países desenvolvidos tentarão rever o princípio da “responsabilidade comum, mas diferenciada”, pelo qual o grosso do esforço fica por conta deles. Os Estados Unidos tentarão empurrar goela abaixo compromissos com a governança no nível interno, como forma de pressionar os países menos democráticos, e fugir da governança no nível internacional, para se proteger em seu unilateralismo, quando conveniente. O Brasil está a cavaleiro no tema da governança interna, mas o mesmo não se pode dizer de muitos de seus parceiros no G-77, hoje formado por 133 países em desenvolvimento.

Por fim, os desenvolvidos tentarão fugir de suas responsabilidades mais custosas na área ambiental, arrastando a conferência para a discussão da pobreza, mas sem querer pôr em pauta os subsídios agrícolas, que asfixiam os mais pobres.

Engenheiro florestal de 50 anos, secretário do Meio Ambiente de Minas Gerais no governo Eduardo Azeredo (1994-98), ex-diretor do Ibama e do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, Carvalho assumiu o Ministério com a saída, em março, de José Sarney Filho, de quem era secretário-executivo.

Estado – Uma cúpula como a de Johannesburg é uma oportunidade e um risco. Como vai ser a tática do Brasil: vai jogar no ataque ou na retranca?

José Carlos Carvalho – Nos últimos cinco anos, temos jogado no ataque. E obviamente esse é nosso propósito em Johannesburg. Nossa situação mudou muito de 1992 para cá. Até 92, o País não estava preparado para enfrentar o problema ambiental. Isso criou certa posição reativa. Mas a própria realização da conferência (Rio-92) no Brasil e seu sopro inovador criaram um clima político favorável para que o País avançasse substancialmente no plano político-institucional. As empresas começaram a descobrir que em muitas situações o problema ambiental estava relacionado ao desperdício. A sociedade brasileira mudou muito. Até 1992, e um pouco depois, a mobilização no Brasil a favor do meio ambiente praticamente era ditada de fora para dentro. Com a atualização do Código Florestal no Congresso, conseguimos evitar um processo (de desmatamento) graças a uma mobilização da opinião pública brasileira. Essa mudança no cenário dá autoridade ao Brasil para jogar no ataque, cobrando dos países desenvolvidos postura mais consentânea com as demandas em escala planetária sobre a necessidade de proteger o meio ambiente. Com as enchentes na Europa e a grande nuvem tóxica na Ásia, a própria natureza está aproveitando as vésperas de Johannesburg para mostrar que não estamos falando em abstrato, de teses de cientistas, mas de uma realidade que precisa mudar.

Estado – Os Estados Unidos vão tentar alguns truques do seu renovado unilateralismo, como, por exemplo, impor uma governança interna e escapar de uma governança global.

Carvalho – É evidente que a governança é importante no nível local. Mas há uma relação de interdependência em tudo na natureza. Não se pode tratar separadamente do ponto de vista de políticas governamentais aquilo que a natureza não separa. É preciso falar de governança local, dos organismos multilaterais de financiamento, do BID, do Banco Mundial, do FMI, que impõe ajustes fiscais severos aos países que têm problemas e isso tem desdobramentos sobre o meio ambiente. E sobretudo é preciso falar do cumprimento dos acordos e compromissos internacionais: das Convenções de Clima e de Biodiversidade, do Protocolo de Kyoto… Como falar de governança local quando a global não está no patamar adequado, quando as nações que mais precisam aderir às convenções internacionais se recusam? Não há governança global com uma ênfase unilateralista. A governança global pressupõe o reforço dos mecanismos multilaterais de gestão no plano internacional.

Estado – E como convencer os EUA disso?

Carvalho – Essa questão (mudanças climáticas globais) está se tornando tão grave que os Estados Unidos, por circunstâncias políticas, podem até ignorá-la por algum tempo, mas não creio que seja possível ignorá-la por todo o tempo. A Polônia acabou de aderir ao Protocolo de Kyoto. Há esperança de que a Rússia faça isso agora. Com a adesão da Rússia, o protocolo atinge os 55% (de emissões globais de gases causadores do efeito estufa) e entra em vigor imediatamente. Com isso, se amplia o isolamento dos Estados Unidos, porque eles fizeram articulações para não atingir 55%. Minha expectativa é de que nesse momento os EUA terão que romper a inércia.

Estado – No balanço entre governança interna e internacional, no G-77 há muitos países que não são um modelo de democracia. Isso não enfraquece a argumentação desse grupo? E o Brasil, nesse sentido, não está mal acompanhado?

Carvalho – Concordo que o princípio da governança é difícil no âmbito do G-77. O Brasil sempre fica em certa desvantagem no âmbito do G-77 quando se toca nesse tema. Talvez a governança seja um dos pontos mais fortes do Brasil, incluindo governança ambiental. O Brasil fez deliberada opção por um modelo de gestão colegiado e participativo. As decisões normativas que interferem em toda a vida da sociedade não são de governo. São todas aprovadas no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), onde estão representados o governo federal, os Estados, a sociedade civil, que participa de maneira ativa, e as entidades de classe do setor privado. Esse arranjo se desdobra nos Estados, com os Conselhos Estaduais. Temos um processo de licenciamento ambiental totalmente transparente. Em outubro, no Rio (na reunião preparatória da cúpula), o chefe da delegação americana até me procurou porque os EUA já começam a enfrentar um problema: o modelo de gestão ambiental deles é muito rígido. Nosso modelo é próprio para gestão de conflitos.

Estado – No campo das oportunidades, o Protocolo de Kyoto e a proposta brasileira de 10% de fontes renováveis de energia podem criar um mercado que o Brasil pode aproveitar?

Carvalho – Sem dúvida. Pelas suas peculiaridades em termos de solo, clima, o Brasil será um grande parceiro para os países que queiram compensar suas emissões através de reflorestamento. É uma extraordinária oportunidade para o Brasil. Estaremos entre as cinco nações com melhores vantagens comparativas nessa área. E, na medida em que prospere nossa posição de 10% de energia renovável, também temos essa possibilidade.

Estado – O sr. acha que o Proálcool deve voltar?

Carvalho – Acho que ele deve ser fortalecido. Até porque a adição do álcool à gasolina nos dá uma vantagem comparativa nessa nova economia que vai surgindo em razão das pressões ambientais. Estrategicamente, é um programa importante.

Estado – Aqui voltamos ao tema das más companhias. Como o Brasil está contornando os conflitos de interesses com os membros da Opep, seus parceiros no G-77?

Carvalho – Do ponto de vista prático do processo negocial, a Opep é nossa adversária nessa proposta. Em Bali (reunião preparatória, em junho), tive uma conversa com o representante deles (o ministro iraniano do Petróleo, Bijan Namdar Zangeneh). Vamos ter de resolver com muita negociação. Eles acham que nossa proposta vai reduzir o mercado de petróleo. É uma preocupação desnecessária, a meu ver, porque, nos próximos anos, o consumo de energia vai crescer 10% ou mais. Então, isso na verdade significaria estabilizar o consumo.

Estado – Existe uma percepção na opinião pública brasileira de que a Agenda 21, a Rio-92, ficou em palavras, não foi implementada, e a não adesão dos EUA ao Protocolo de Kyoto demonstra seu fracasso. O que medirá o êxito ou fracasso da reunião de Johannesburg?

Carvalho – Acho que essa percepção da opinião pública brasileira faz sentido. O processo de implementação dos compromissos assumidos é muito lento. A decisão dos EUA de não aderir às convenções é frustrante. Não avançamos na velocidade em que opinião pública gostaria e ainda estamos tendo de gastar energia para evitar que as nações desenvolvidas usem a cúpula de Johannesburg para armar qualquer tipo de retrocesso em relação ao que foi conseguido no Rio (em 1992). A delegação americana em Bali colocava em questão o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, que é fundamental para os países em desenvolvimento. Os EUA querem responsabilidade igual para todos. Mas se valeram de tudo o que podiam para alcançar o patamar de desenvolvimento que têm hoje e querem que os outros, que não o fizeram, assumam a mesma responsabilidade daqueles que destruíram tudo. É óbvio que nós não queremos destruir como eles. Queremos outro perfil de crescimento econômico. Também na Convenção de Biodiversidade eles tentam mudar a repartição de benefícios que é fundamental para os países detentores da biodiversidade. Passou o momento dos documentos retóricos, exortando as nações. Se não saírmos de Johannesburg com um plano de implementação, ainda que embrionário, mas com metas mensuráveis, a conferência terá fracassado.

Estado – A União Européia vai ser o fiel da balança?

Carvalho – Acho que a UE pode jogar um papel decisivo, fazendo o link entre América Latina, Ásia e África.

Estado – Para que lado eles estão pendendo?

Carvalho – A UE tem uma dificuldade enorme com a questão dos subsídios agrícolas. Felizmente, eles deram sinal de redução de 20%. Essa questão é central. A UE coloca com ênfase para Johannesburg o combate à pobreza, que nós também consideramos inquestionável, até porque lidamos com o problema dentro de nossas fronteiras. A forma de abordar é que queremos discutir. Não se combate pobreza sem mudança da ordem econômica internacional. Os países mais pobres são eminentemente agrícolas. Os EUA e a UE gastam cerca de US$ 400 bilhões por ano para subsidiar sua agricultura, aviltando os preços das commodities agrícolas e vedando completamente a possibilidade de esses países terem acesso aos mercados. Combate à pobreza não pode ter o conceito clássico da filantropia internacional. Também não podemos aceitar que a ênfase no combate à pobreza sirva para desviar a atenção de problemas ambientais das economias industrializadas e de seus padrões de consumo.

Estado – A ausência de Bush em Johannesburg não é um golpe muito duro?

Carvalho – Pelas posições que ele tem, eu fico em dúvida…

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