Sob o signo dos guerreiros

ULUNDI, África do Sul – Com suas 11 línguas oficiais e nove etnias negras, além de brancos, mulatos, hindus, malaios, indonésios, outros asiáticos e os aborígines, a África do Sul é um país vertiginosamente diverso. Mas, se fosse para escolher um grupo para representar o país, certamente seria o dos zulus. Não só porque são a maior fatia da população: um em cada quatro sul-africanos é zulu. Mas porque a maioria das imagens que singularizam o país – ou a sua face africana – vem dos zulus: seus guerreiros cobertos de peles de leões e de leopardos, suas lanças e escudos, suas danças ritualísticas, sua militante poligamia, suas moças com os seios de fora, para demonstrar a virgindade e atrair pretendentes, sua música de coros cálidos e compasso envolvente.

Orgulhosos de seu passado de guerras contra os colonizadores britânicos e de expansão e domínio sobre outras etnias negras, os zulus têm uma preocupação com sua imagem e identidade que para outros poderia parecer exacerbada. Na semana passada, o rei dos zulus, Goodwill Zwelithini kaBhekuzulu, ordenou que fosse retirada do novo aeroporto de Durban, construído para a Copa do Mundo, uma estátua de seu antepassado, o rei Shaka, fundador do reino zulu no século 19, porque ele não parecia suficientemente belicoso.

Na estátua de US$ 400 mil encomendada pelo governo da Província de Kwazulu-Natal ao escultor branco Andries Botha, Shaka é representado sem as suas armas, e no meio de vacas. “O rei Shaka nunca se pareceria com um menino cuidando do gado”, protestou o príncipe Mbonisi, porta-voz de Zwelithini. “Ele é o rei dos zulus. ” Descerrada pelo presidente sul-africano, Jacob Zuma, em maio, a escultura teve de ser removida do aeroporto, que leva o nome de Rei Shaka.

Rei desde 1968, quando seu pai, Cyprian Bhekuzulu kaSolomon, morreu, Zwelithini, de 62 anos, tem um poder mais que tudo simbólico. Mas ele se dedica também a objetivos bastante pragmáticos. Na quarta-feira, o rei recebeu em Ulundi, em Kwazulu-Natal, o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo – um quase monarca, no poder desde 1979. O encontro teve cerimônias de exaltação por guerreiros zulus e danças ritualísticas, mas o principal tema era a atração de investimentos para a província sul-africana.

“Temos de transformar boas intenções em ação”, discursou Zwelithini, que já visitou a Guiné Equatorial e havia recebido Mbasogo outra vez, quando o condecorou como súdito zulu. “Quero que vocês percorram nossa província em busca de oportunidades de negócios e voltem para investir aqui e criar empregos para o meu povo”, pediu o rei, em perfeito inglês, enumerando as vantagens oferecidas por Kwazulu-Natal, entre elas “a melhor infraestrutura de transporte e o melhor aeroporto do país” – o Rei Shaka. “A terra dos zulus é um paraíso para todos”, declarou o rei, numa referência ao significado da palavra “zulu” (paraíso).

Zwelithini pressionou recentemente o governo da província – que sustenta as onerosas contas de suas 6 esposas e 27 filhos – para consertar as estradas que conduzem aos seus quatro palácios em Nongoma (300 km ao norte de Durban), argumentando que eles são atrações turísticas que podem gerar receita. Mas é preciso pedir autorização para visitar os palácios, que abrigam algumas das rainhas. No mais importante está a sua terceira mulher, Mantfombi Dlamini, irmã do rei Mswati III da Suazilândia, que se casou com ele sob a condição de se tornar a rainha principal, para que seu primogênito fosse herdeiro do trono.

A arquitetura dos palácios não tem nada a ver com a acepção europeia da palavra. Eles são conjuntos de cabanas com paredes de argila e tetos de palha, inspiradas nas moradias tradicionais dos zulus – apenas mais suntuosas. Os zulus não reúnem os cômodos em uma casa, mas os mantêm separados. Em nome da privacidade, cada quarto dos filhos é uma cabana, assim como a cozinha.

O rei também tem buscado aliar a tradição a um dos temas mais delicados na África do Sul: o combate à aids num país onde 17% das pessoas de 15 a 49 anos estão infectadas com o vírus HIV. Isso representa 10,6% da população total, ou 5,21 milhões de pessoas (no Brasil, são 630 mil infectados, ou 0,3% da população).

Zwelithini defende a retomada da tradicional prática da circuncisão como forma de debelar a epidemia. Os zulus eram circuncidados em rituais quando atingiam os 18 anos. Segundo estudos feitos na África do Sul, Quênia e Uganda, citados pela imprensa sul-africana, homens circuncidados têm 60% menos risco de infectar-se. O governo da província estipulou a meta de circuncidar 186 mil adultos e 47 mil recém-nascidos neste ano.

“O nosso rei é muito respeitado, tem mais poder que o primeiro-ministro (equivalente a governador) de Kwazulu-Natal”, avalia o empresário Skhumbuzo Xaba, de 34 anos, que promove alguns dos eventos de Zwelithini. “Ele representa o que nós somos. O que você está vendo aqui hoje, a música, a dança, o poeta que exalta o rei, os guerreiros que o acompanham na sua entrada, tudo isso nos faz acreditar no que somos.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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