Torcida não bota fé nos Bafana Bafana

NKANDLA, África do Sul – No seu centro, há um terminal de vans – praticamente o único transporte coletivo na África do Sul, onde o apartheid inibia o deslocamento das pessoas, que desafiava a sua segregação.

Ao redor do terminal, florescem comércio e serviços, como o barbeiro que corta o cabelo dos clientes ao ar livre e o inyanga, mistura de curandeiro e vidente, que oferece suas plantas medicinais, peles de animais para ler a sorte e bandejas de madeira para as oferendas de carne de boi ou cabra (em homenagem aos ancestrais, mas distribuídas à comunidade). Essas práticas são chamadas de “muti”, que vem da palavra “árvore” em zulu. Num cartaz, a lista com a sonora semântica zulu enumera as soluções para males que vão de sangramentos femininos, hemorróida e impotência a feitiços e maus olhados. O inyanga Elliot Cebe, de 58 anos, exibe em sua barraca inúmeros certificados e uma carteirinha da Associação de Curandeiros Tradicionais.

Chamada de “Shembe”, a religião tradicional convive com correntes do protestantismo, às quais dá um toque messiânico e milagroso. Os fiéis não evocam deuses diversos nem praticam o animismo, mas recorrem a seus ancestrais, que podem ser figuras míticas de um passado remoto ou qualquer antepassado morto, incluindo avós e pais. Eles funcionam como intermediários de um Deus único, que assume características cristãs.

Nas calçadas, jaquetas verde-amarelas com o nome “Brazil” são vendidas a 150 rands (cerca de US$ 20), ao lado de camisetas falsificadas da seleção sul-africana, com as mesmas cores. Maciçamente desempregados, os transeuntes olham sem comprar, e matam o tempo jogando dados – um sustento para alguns – e falando de futebol. Ao repórter brasileiro, todos perguntam por que Ronaldinho não foi convocado. A maioria nunca ouviu falar de Ganso e Neimar e não sabe que a polêmica no Brasil foi outra.

À pergunta sobre quem joga melhor – zulus ou cossas -, eles se esquivam. Há vários zulus na seleção. O melhor deles, consideram, é Siyabonga Nomvethe, que ficou no banco na partida de sexta-feira contra o México. “Eu não diria que os zulus jogam melhor, mas diria os negros”, afirma Nkululeka Ntompela, de 25 anos, professor de crianças deficientes e treinador do time de várzea de Nkandla. “Eu acho que os brancos jogam melhor”, avalia Simoserkos Sbiya, de 15 anos, que joga como goleiro, está na sétima série e quer ser policial quando crescer.

Eles não nutrem grandes esperanças em relação aos Bafana Bafana. “Se chegarem à segunda fase, já estou feliz”, diz o segurança Phumlani Ngubane, de 33 anos. “Queria que chegassem à semifinal, mas é um caminho longo demais.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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