Tribalismo foi manipulado pelo regime do apartheid

ULUNDI, África do Sul – “O poder dele não é algo que se possa ver fisicamente, é espiritual” define Togozane John Mthethwa, de 63 anos, que durante 16 anos foi o “braço direito” de Zwelithini. O rei é o líder dos amakhosis, os 300 chefes tribais zulus. Em tese, todas as terras habitadas pelos zulus, que representam 80% da população de 10 milhões de Kwazulu-Natal, pertencem ao rei. Os amakhozis são os “guardiães” dessa terra. Na zona rural, quando alguém quer cultivar, criar ou construir uma casa, precisa pedir permissão ao chefe.

Em tese também, o rei é apartidário, como numa monarquia ocidental. Mas Zwelithini é politicamente próximo ao Congresso Nacional Africano (CNA), de Nelson Mandela e do atual presidente Jacob Zuma, desde as primeiras eleições multirraciais do país, em 1994. Naquela época, o líder zulu Mangosuthu Buthelezi, do Partido da Liberdade Inkatha, ameaçou boicotar as eleições, porque a nova Constituição não contemplava a autonomia para Kwazulu-Natal. Paradoxalmente, para Buthelezi, o fim do apartheid representava o rebaixamento de seu status. Buthelezi, um príncipe zulu, primo do rei, mantivera uma aliança velada com o regime segregacionista branco, para o qual interessava a tese da autonomia dos zulus e dos outros grupos étnicos negros, em “bantustões” como o de Natal (antigo nome da província), onde eles seriam mantidos separados dos brancos.

Num histórico comício durante a campanha em 1994, em Durban, Mandela exaltou a importância do rei, cativando o seu apoio e isolando Buthelezi. O primeiro presidente negro, que é de etnia cossa, o segundo maior grupo étnico do país (18% da população, ante 24% de zulus), acabaria atraindo também o apoio de Buthelezi, nomeando-o na época ministro do Interior. Hoje, o Inkatha exerce a oposição na Assembleia Nacional, onde possui 18 das 490 cadeiras (o CNA tem 264).

A província de Kwazulu-Natal segue sendo o principal reduto do Inkatha, mas é governada pelo CNA desde 2004. Assim como Mandela, seu sucessor, Thabo Mbeki, é cossa. Embora os zulus sejam o maior grupo étnico no país, Zuma é o primeiro presidente zulu da África do Sul. E foi o CNA, com sua visão nacionalista e centralizadora, quem conseguiu isso.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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