500 moradores cristãos fugiram de Diabaly

Militantes impuseram sua visão da lei islâmica e destruíram igreja católica

DIABALY, Mali – Castigados durante cinco dias pelos bombardeios franceses, os combatentes aliados da Al-Qaeda no Magreb Islâmico abandonaram na sexta-feira a cidade de Diabaly, deixando para trás os vestígios de sua aventura e de sua visão de uma república islâmica. A cidade foi reocupada na tarde de domingo pelo Exército do Mali.

Os cerca de 500 moradores cristãos da cidade de 15 mil habitantes fugiram para aldeias e fazendas vizinhas. A Igreja do Sagrado Coração, um dos dois templos cristãos da cidade, foi destruída por dentro. A cruz foi arrancada da parede atrás do altar e partida ao meio, assim como as imagens de Jesus, Nossa Senhora e de São João Batista. “Eles jantaram no pátio aqui fora antes de entrar e quebrar tudo”, contou o motorista de caminhão Youssouf Sanoga, que apesar de muçulmano veio ver se estava tudo bem na igreja, na noite de terça-feira, e presenciou a destruição.

“Foi muito duro para nós”, relatou Victorien Dakouo, presidente da Associação de Cristãos de Diabaly. “Aqui, cristãos e muçulmanos vivem em simbiose perfeita.” A filha do agricultor cristão Felicien Toë, que fugiu com a família para a aldeia de Colon, é casada com um muçulmano, e não precisou converter-se ao Islã, numa das muitas amostras da moderação que caracteriza o Mali, cuja população é 90% muçulmana e 1% cristã, enquanto os outros 9% seguem as religiões africanas tradicionais.

Os militantes, que chegaram em 50 camionetes e um caminhão no dia 14, anunciaram que na sexta-feira imporiam a Sharia, a lei islâmica. Foi exatamente o dia em que fugiram, deixando para trás 7 camionetes calcinadas pelos precisos bombardeios franceses. “Queremos conhecer esses pilotos”, pediu o agricultor Oussouman Bima. “Eles são incríveis. Nenhum civil, nem um frango sequer foi atingido pelos bombardeios”, testemunhou o agricultor, apoiado por todos os que rodeavam o repórter.

“Ninguém aqui está de acordo com a Sharia”, declarou o barqueiro Oussouman Barro. “Os inimigos são bandidos, drogados”, qualificou Atch Aguibou, dono de uma mercearia. De acordo com Kolon Fomba, professor do ensino primário, dentre os combatentes havia tuaregues, árabes e negros.

Durante a noite, quando os aviões franceses os bombardeavam, os combatentes se refugiavam principalmente no bairro de Berlim, ao abrigo das mangueiras que cobrem os quintais das casas. Num deles, dezenas de caixas de balas de fuzil ainda estão espalhadas pelo chão. Breme Ouattara, um estudante de 21 anos, disse ter visto o comandante do grupo, o coronel desertor Oussouman Haidara, em sua casa, com cerca de sete homens. A família fugiu, mas Ouattara veio ver a casa duas vezes. Uma refeição preparada para eles ainda estava na panela ontem.

Haidara, de origem tuaregue, é conhecido na cidade, porque serviu no quartel de Diabaly, onde dois de seus filhos, que estavam com ele, nasceram. De acordo com o tenente-coronel Seidou Sogoba, comandante do Exército em Diabaly, Haidara foi cúmplice de um ataque dos tuaregues ao quartel em 2009, quando era capitão. Mesmo assim, continuou no Exército, e ascendeu a coronel. “Não havia provas contra ele”, justificou Sogoba ao Estado.

Quando os tuaregues do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA) ocuparam o norte do país, no primeiro semestre do ano passado, em aliança com os grupos radicais islâmicos, Haidara desertou e juntou-se a eles. O MNLA, de orientação laica, rompeu em junho com os jihadistas. Mas o coronel continuou do lado deles.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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