‘Eu entregaria a Nigéria em concessão’, diz funcionário do Estado

Sempre que um alto funcionário do governo de Lagos, que pediu anonimato, expõe sua tese aos amigos, chamam-no de racista.

LAGOS – “Se fosse presidente, entregaria a Nigéria em concessão”, confessa. “Diria ao concessionário: ‘Leve todo o petróleo que quiser, mas você tem dez anos para transformar o Estado de Lagos numa Cingapura.’ Acusam-me de defender a escravidão. Não me importo. Pagamos a nossa gente para fazer isso, eles roubam e não fazem.” 

O desabafo do alto funcionário traduz o espírito com que Lagos se lança ao seu futuro de megacidade. Ao lado de Cingapura – que, com sua organização estóica, é obviamente a antítese de Lagos -, outro modelo freqüentemente citado é Dubai, pela associação com o petróleo.

Diante do ceticismo quanto à capacidade do Estado de conduzir grandes projetos de infra-estrutura, praticamente todos são concebidos como parcerias público-privadas (PPPs), expressão da moda também na Nigéria.

A precariedade é tão grande, em matéria de infra-estrutura, que os técnicos têm dificuldades em elencar prioridades. “Desculpe, mas precisamos de tudo”, sorri o alto funcionário. “Do começo ao fim.”

Como Lagos não tem rede de esgoto, as casas e empresas supostamente deveriam ter fossas sépticas. Além de inadequado para o seu terreno minado pela água, isso ocorre apenas em uma pequena porcentagem dos domicílios da cidade. Por falta de estações descentralizadas de tratamento, a água potável percorre dezenas de quilômetros, vazando pelo caminho e chegando a menos da metade da população. A oferta de energia elétrica precisa ser multiplicada por 15 para suprir a demanda de 2020, quando deverá alcançar 15 mil MW.

Não há cálculo preciso do déficit habitacional. “Se construíssemos 250 mil moradias, ainda ficaríamos muito aquém das necessidades”, estima um técnico da Secretaria de Habitação de Lagos. O governo negocia a construção de 50 mil unidades.

Boa parte das vias não é asfaltada e as que são vivem congestionadas. Três pontes ligando as ilhas de Lagos e Victoria – onde está o trabalho – ao continente – onde a maioria vive – formam um gargalo, roubando horas dos motoristas e passageiros. Na ausência, até recentemente, de um sistema de transporte coletivo, o grosso dos passageiros é transportado por cerca de 5.500 lotações (chamados de danfos), mototáxis e riquixás motorizados, os napês.

Depois de uma visita de técnicos a Curitiba e Bogotá, Lagos está criando um corredor de ônibus e já comprou 400 veículos da brasileira Marcopolo. Até o momento, é a única participação do Brasil no projeto de modernização da cidade.

“As empresas brasileiras deveriam estar interessadas nas oportunidades de negócios que há aqui”, diz o alto funcionário do governo. “Vejo chineses, indianos, libaneses, americanos, ingleses, alemães e italianos. Só não vejo brasileiros.”

Há projetos como a construção de uma rodovia pedagiada de 49 quilômetros ao longo da costa e de uma rede de trens urbanos. Nos dias 5 e 6 de junho, uma comissão bilateral se reuniu em Brasília para ampliar a cooperação entre os dois países, que já inclui 20 acordos; outros 10 serão firmados no dia 27 de agosto, durante a visita do presidente Umaru Yar’Adua.

Para a arquiteta Dada Alamutu, secretária-executiva da Agência de Desenvolvimento da Megacidade de Lagos, essa situação de “tudo por fazer” pode significar uma vantagem: “As redes de esgoto e de água e as galerias pluviais podem ser feitas de uma vez.” A agência foi criada em 2005 como resposta a queixas de companhias estrangeiras de que os problemas de segurança, saneamento, trânsito e transporte afetavam os investimentos. Relatório de 86 páginas identificou os principais problemas e soluções da megacidade. Não há estimativa de volume total de investimentos necessários.

O Banco Mundial separou R$ 3,53 bilhões para financiar projetos em Lagos. Desses, cerca de R$ 1,29 bilhão deve ser destinado a saneamento; outros R$ 402 milhões, a transporte coletivo. Há duas propostas para a quarta ponte ligando as ilhas ao continente. Além do projeto de uma ponte convencional, com 25 km de extensão, outro mais arrojado, de uma empresa italiana, inclui aterrar a maior parte da lagoa por ela atravessada e lotear a área. Esse projeto foi orçado em R$ 563 milhões, parte dos quais seria arrecadada com a venda dos terrenos.

Historicamente, a receita do petróleo tem sido desviada por governos corruptos. Depois da morte do general Sani Abacha, em 1998, investigações rastrearam mais de R$ 4,8 bilhões em contas de familiares do ex-ditador (no poder desde 1993) na Europa e nos Estados Unidos.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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