Absolutismo resiste na Suazilândia

Pequeno reino situado entre a África do Sul e Moçambique tem família real bilionária e população miserável

MBABANE – A Revolução Francesa foi há 221 anos, mas o absolutismo ainda sobrevive num pequeno reino encravado entre a África do Sul e Moçambique. O rei Mswati III da Suazilândia nomeia o primeiro-ministro, os juízes e um terço dos deputados e senadores, e ainda tem poder de veto final sobre as leis aprovadas no Parlamento.

Partidos políticos são proibidos desde 1973, quando o rei Sobhuza II, pai de Mswati, anulou a Constituição deixada pelos ingleses ao concederem a independência da Suazilândia, em 1968. Os grupos de defesa da democracia foram proscritos e seus líderes, processados por alta traição e terrorismo. Só há uma emissora de televisão e outra de rádio, ambas estatais.

Mswati III e sua extensa família real controlam todos os negócios rentáveis do país. O rei é legalmente proprietário de todas as terras. Aos 38 anos, possui 13 esposas (cada uma morando numa mansão), 23 filhos, 7 palácios, um jato particular de US$ 45 milhões e uma coleção de carros de luxo, num país em que 69% da população vive com menos de US$ 0,63 por dia. Do 1 milhão de suazis, 300 mil dependem da doação de comida para sobreviver. A Suazilândia tem a maior incidência de aids do mundo – 26% – e a menor expectativa de vida – 31 anos.

Recentemente, o principal jornal do país, The Times of Swaziland, foi obrigado a pedir desculpas, em manchete de domingo, por ter publicado que o rei havia comprado um Rolls Royce e dois Mercedes-Benz para sua vasta frota. Mas não é só Mswati que cultiva o hobby: o ministro da Justiça, Nehmiso Mamba, responsável pelas finanças do rei, possui um Jaguar, um Hummer e uma Mercedes.

Em matéria de família extensa, ainda falta muito para Mswati alcançar o seu pai, que teve 110 mulheres e 250 filhos. Já no que se refere a fortuna, Mswati tem progredido depressa. O reverendo Hanson Ngwenya, dirigente do Conselho de Igrejas da Suazilândia, lembra que, quando Sobhuza morreu, em 1982, possuía US$ 7,6 bilhões numa conta na Suíça. Menos de quatro anos depois, quando seu filho foi coroado, e recebeu sua herança, teriam sido transferidos US$ 10 bilhões para uma conta sua na Arábia Saudita. Tanto num caso como noutro, os titulares das contas não eram os reis da Suazilândia, mas suas pessoas físicas, observa Ngwenya. Como quase tudo o que se refere à monarquia, a fronteira entre a fortuna pessoal do rei e o Tesouro nacional é desconhecida.

Os súditos de Mswati III nunca chegaram perto de seus palácios e sabem muito pouco sobre o rei e sua família – com exceção de que devem “amá-lo” acima de tudo. “Há a história geral, que todos devem saber, e a história real, que só a família (real) conhece”, diz a professora de religião Patricia Mahlobo, de 39 anos. “Sabemos sobre o rei tanto quanto você”, responderam um estudante universitário e dois profissionais formados, diante de perguntas como onde Mswati III nasceu e mora. Os três nunca votaram: “Para quê?”

“O silêncio é parte da nossa cultura”, descreve Nkululeko Twala, que trabalha num cassino online para clientes na África do Sul, onde o jogo é proibido. “Aprendemos na escola que temos de amar e respeitar o rei, assim como amamos nossos pais e respeitamos os mais velhos”, explica Nqobizwe Shipanga, de 25 anos, que estuda relações públicas. Os trabalhos escolares incluem poesias de louvor ao rei, e ensina-se que seu poder emana de Deus, como acontecia com Luís XIV, o “rei sol” da França.

“Aqueles que não o amam devem guardar para si”, sentencia Skhulile Ntshalintshali, de 24 anos, especialista em informática de uma empresa fabricante de brocas para mineração. “Se criticar o rei, você vai direto para a cadeia.”

Mphandlane Shongwe, um ativista pró-democracia de 49 anos, afirma que já foi preso mais de 20 vezes. Formado em educação, ele só trabalhou seis meses como professor, antes de ser demitido e nunca mais contratado, por causa de sua atuação política. “Há 27 anos vivo nas ruas, protestando, passando fome”, conta Shongwe. Atualmente, ele está envolvido na resistência de 20 mil moradores da favela de Logoba, na cidade de Matsapha (a 30 km da capital, Mbabane). Eles receberam ordem de desocupar a área, porque o rei quer construir ali um shopping center. Logoba faz divisa com terras do rei aparentemente improdutivas, mas ele prefere desapropriar a favela, sem oferecer indenização nem outra moradia para as famílias expulsas.

Regina Shongwe (que não é parente do ativista), de 58 anos, mora desde 1992 em Logoba, onde seu marido, morto em 1999, construiu um barracão. Outros barracões foram erguidos para abrigar seus 7 filhos adultos – mães e pai solteiros – e 8 netos. Apenas duas filhas, Futhi, de 28 anos, e Khanyisile, de 30, estão empregadas, numa fábrica de roupas do pólo industrial de Matsapha, que lhes paga 900 emalangeni (US$ 120) por mês. Os rapazes vivem de bico. Tsepo, de 22 anos, ganha 40 rands por dia (US$ 5,33) fazendo blocos de concreto – quando aparece trabalho. As mulheres têm tido mais facilidade de conseguir emprego operando as máquinas de costura nas confecções pertencentes aos chineses, um dos setores que mais empregam na Suazilândia.

“Não sei o que vou fazer”, diz Regina, que adquiriu o terreno pelo método tradicional africano, oferecendo uma vaca ao chefe local, além de ter tido de pagar propina a um intermediário. Ela diz que o enviado do príncipe Masitsela (tio do rei e administrador regional) veio acompanhado da polícia, fez perguntas e informou que a família precisa ir embora até dezembro. “Não ofereceram pagar nem pelas plantas”, conta Regina, mostrando os mamoeiros e hortaliças de seu quintal.

“Nasci aqui e ninguém vai me tirar daqui”, desafia Thomas Dlamini, de 58 anos. Sua mãe, Tsembile Nkambule, de 86, nasceu a 30 km de distância, e se mudou para Logoba com o marido e um filho mais velho em 1951. “Fomos trazidos pelo rei Sobhuza II, para criar uma zona tampão aqui e não deixar que as indústrias crescessem para esse lado”, recorda Tsembile, estirada no chão do alpendre da casa construída por seu marido em 1961. Detrás da casa começa o parque industrial de Matsapha. Tsembile lembra que tinha cerca de 10 hectares e criava gado. Hoje a área se tornou um bairro e ela tem apenas a casa.

“Colocamos tudo o que temos nessa casa”, diz Tsembile, que sofre há 11 anos de câncer de mama, do qual nem os médicos nem os curandeiros tradicionais conseguiram livrá-la. Seu filho estima que investiram 30 mil emalangeni (US$ 4 mil) na casa. Com seu salário de 2.500 emalangeni (US$ 333), e mais a pensão de 500 emalangeni (US$ 67) de sua mãe, Thomas sustenta dez pessoas, incluindo duas sobrinhas órfãs.

Uma delas, Mpumy Nsibandze, de 31 anos, conta que trabalhava numa fábrica de roupas, e ganhava 780 emalangeni (US$ 104) por mês, mas não usava máscaras e passou a sofrer problemas respiratórios. Sua irmã, de 42 anos, viúva e com três filhos, também está desempregada. Seus três irmãos migraram há três anos para a África do Sul em busca de emprego, mas até hoje não encontraram.

O Estado entregou na manhã de terça-feira 15 perguntas à assessoria de imprensa do governo da Suazilândia, mas nenhuma tinha sido respondida até ontem à noite.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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