Oposição cresce e rei intensifica repressão

Em todos os países, cultura e política estão entrelaçadas. Mas em nenhum lugar essa junção produz um resultado tão extravagante

MBABANE – O sucessor do rei da Suazilândia só pode ser escolhido depois da morte do pai, pelos anciãos da família real, e não pode ter irmãos nem irmãs. Como o pai não para de casar-se e ter novos filhos, seu sucessor acaba sendo um de seus filhos mais jovens – ao contrário da regra do progenitor, seguida noutras monarquias. Mswati III, por exemplo, foi escolhido sucessor de Sobhuza II entre os seus 250 filhos quando tinha apenas 18 anos, e coroado com 21.

A árvore genealógica da família real suazi está bem definida desde 1750, quando começaram seus registros escritos. Mas a dinastia Dlamini remonta a nove gerações anteriores àquele ano, e supõe-se que tenha mais de 400 anos. O rei e seus antepassados são cultuados como sábios e guardiães da identidade e da história do povo da Suazilândia. Nas livrarias e hotéis de Mbabane encontram-se livros como “Desenterrando a Filosofia do Rei Sobhuza II”. O hino nacional agradece a Deus pelo rei, pela terra, montanhas e rios do país – incluindo o monarca entre seus imutáveis acidentes geográficos. Depois de 32 anos de governo por decreto, o rei outorgou em 2005 uma Constituição que mantém seus poderes absolutos intactos.

O rei só aparece publicamente em duas cerimônias por ano, destinadas a enaltecer as tradições suazis. Na Umhlanga, ou Dança do Bambu, realizada em agosto, moças carregam varas usadas para fazer muros que protegem do vento a frente das tradicionais cabanas de palha. As virgens comparecem com saias curtas e os seios de fora, para mostrar que ainda não amamentaram, e assim candidatar-se a esposas do rei. Ele escolheu esposas quase todos os anos nessa festa, até 2006.

Em 2001, diante da maior epidemia de aids do mundo, que já deixou 80 mil crianças órfãs, o rei ordenou a observância, por cinco anos, do umcwasho, costume segundo o qual garotas de até 16 anos devem usar lenços azuis e amarelos na cabeça, indicando que ainda não têm idade para o sexo; as solteiras acima de 16 anos usam lenços vermelhos, que significam que devem permanecer virgens. Se uma moça perde a virgindade, as próprias amigas a denunciam, jogando seus lenços vermelhos em frente à casa dela. Sua família deve então pagar multa de uma vaca ao chefe local.

Em dezembro, o rei comparece na Incwala, ou Cerimônia dos Primeiros Frutos, quando os suazis pedem aos ancestrais que protejam o país no ano seguinte. Nessa cerimônia, 50 homens matam um touro usando só as mãos. Quando o animal está agonizante, o rei senta-se sobre ele. Os homens que não comparecem a essa cerimônia não são considerados verdadeiros suazis. Mswati III sempre aparece vestindo um colorido robe, a cabeça coroada por três penas vermelhas do pássaro turaco – que só a família real pode usar.

A Suazilândia é um país homogêneo, com 97% de negros, praticamente todos da etnia suazi (os outros 3% são brancos, mulatos, paquistaneses e chineses). Mesmo assim, a língua siswati é facultativa nas escolas – pode-se optar entre ela e o francês. Já o inglês – como o siswati idioma oficial – é obrigatório. “Isso prova que o argumento de que o rei é o guardião da cultura suazi é só uma desculpa para a manutenção da monarquia absolutista”, critica Wandile Dludlu, presidente do Congresso da Juventude da Suazilândia (Swayoco).

Criada em 1991, a organização, que afirma ter 4 mil membros, foi proscrita em 2008, assim como o Movimento Democrático Unido (Pudemo), do qual é a liga jovem. Aos 31 anos, Dludlu, um ex-estudante de direito que teve de deixar o curso por causa de sua atividade política, foi preso duas vezes, cada uma durante três meses: em 2006, acusado de traição, e em 2009, de terrorismo. “A única coisa que fiz (em 2009) foi organizar uma manifestação pela libertação do presidente do Pudemo, Mario Masuku”, afirma Dludlu. Ele diz que foi espancado no dia em que Masuku foi solto, em setembro, depois de 12 meses preso. Dludlu, que vive escondido, está considerando juntar-se aos cerca de 200 exilados políticos suazis na África do Sul.

Durante a celebração do 1º de maio, vários manifestantes foram presos, e um deles morreu asfixiado. A polícia alegou que ele se enforcou, mas, segundo Dludlu, os policiais asfixiam os presos com sacos plásticos durante os interrogatórios.

Nas últimas semanas, seis casas de parlamentares e policiais foram alvos de coquetéis molotov, que não deixaram feridos. Dois membros do Swayoco, acusados de envolvimento, foram presos. Diante da intensificação da oposição, o regime está recrudescendo a repressão. As casas de seis integrantes do Pudemo foram revistadas nos últimos dias.

Masuku, de 59 anos, também acusado de alta traição e terrorismo, é o inimigo máximo do regime. Ex-bancário e líder sindical, ele recebeu o Estado na noite fria de domingo, ao lado da lareira na sala de sua casa, na periferia de Mbabane. “Cavalo que está morrendo chuta com mais força”, disse ele prevendo que o fim do que ele chama de “ditadura” está próximo. “Nossa luta não é um evento, é uma revolução nacional democrática”, definiu Masuku, citando o educador pernambucano Paulo Freire, cujo livro Pedagogia do Oprimido ele ganhou de presente de um amigo quando estava na prisão.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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