Sudão do Sul é um explosivo mosaico étnico

Os que estão contentes com a separação no Sudão do Sul são a imensa maioria, mas não todos. No referendo de janeiro, 3.792.518 eleitores votaram a favor da separação e 44.888, contra.

JUBA – Numa manhã de sexta-feira, o pedreiro Sarlis Sato, de 50 anos, estava sentado numa cadeira na porta de um bar. “Estou sem trabalho há dois meses”, queixou-se Sato, pertencente à etnia bária, do tronco equatorial, originária da região onde se situa Juba. “Aqui, se você não é dinka, não tem trabalho”, denuncia Sato, referindo-se à etnia majoritária no Sudão do Sul, do tronco nilótico, da qual o presidente Salva Kiir Mayardit faz parte. 

“Queria que a capital não fosse aqui, porque os dinkas nos enganaram”, continua Sato. “Esta terra é dos bárias, mas os dinkas a tomaram à força.” Originalmente, as etnias nilóticas, como os dinkas e nuers, são nômades e guerreiros, enquanto os equatorianos são agricultores e sedentários. “Dentro de três anos, pode haver nova guerra entre dinkas e equatorianos”, prevê Sato.

A resistência dos equatorianos em ceder terras para a construção de edifícios do novo governo e embaixadas tem levado funcionários a ameaçar transferir a capital para Ramciel, 230 km ao norte de Juba, reduto dos dinkas. “Não queremos nova guerra por terras. Preferimos mudar a capital”, disse ao Estado o general dinka Lual Lual, ex-comandante guerrilheiro e líder da Frente de Salvação Democrática Unida – Corrente Central (UDSF-M, na sigla em inglês). “Não lutaremos com outros clãs a não ser que nos ataquem”, acrescentou Lual, ex-ministro da Cultura, Juventude e Esportes.

Nem todos os bárias concordam com ele. “Estou muito feliz com a separação, porque este é o nosso país”, disse Monica Seit, de 23 anos, gerente de escritório do Ministério dos Transportes. “Não é verdade que os dinkas ficaram com todos os empregos. Estão enganando o povo. Não haverá problemas entre as tribos.”

“Muitos dinkas estavam na guerra e não estudaram, enquanto que os bárias se refugiaram noutros países, onde receberam instrução, e por isso hoje têm mais empregos no governo do que nós”, contestou um funcionário de 30 anos que se identificou apenas como Isaiah. “Estamos felizes porque nossos pais lutaram por esta conquista.”

“Não há empregos suficientes para todo mundo”, justificou ao Estado o ministro de Assuntos Presidenciais, Cirino Hiteng Ofuho, em seu gabinete dentro de um contêiner adaptado, como vários outros ministérios do governo, enquanto esperam a construção de prédios definitivos. “Há 32 ministros e 60 tribos. Os bárias têm cinco ministros, mais do que qualquer outro grupo.” Ofuho é da etnia loheto. O vice-presidente, Riek Machar, é da etnia nuer, a segunda maior. O presidente do Parlamento, Wani Igga, é bária, assim como o ministro-chefe do Gabinete, Kossi Manibe, e o ministro da Saúde, Luka Manoja.

“Isso é normal”, analisa Ofuho. “Esse tipo de conflito está no lugar de oposição organizada, que ainda não temos. Passamos os últimos anos em guerra.” Até aqui a UDSF-M foi aliada do Partido do Congresso Nacional, do presidente Mayardit. Agora deve evoluir para um partido de oposição.

“Para o Sudão do Sul tornar-se estável precisa completar sua democracia, chegar a um acordo com as minorias”, assinala Lual. Seu partido deseja a realização de novas eleições depois da declaração formal de independência, em julho. “Estamos discutindo a duração desse período de transição.”

A face mais visível do conflito no interior do Sudão do Sul é o líder rebelde George Athor, que supostamente comanda 5 mil homens, e luta contra o governo. O Sudão do Sul acusa o governo em Cartum de apoiá-lo. “Capturamos em dezembro um helicóptero cheio de armas vindo de Cartum e destinado ao Exército de Libertação Popular do Sudão”, disse ao Estado o ministro sul-sudanês da Informação, Barnaba Benjamin, referindo-se à organização de Athor.

Cartum nega. “Que interesse teríamos?”, perguntou ao Estado o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores em Cartum, Khalid Musa Dafalla. “A instabilidade no sul seria um problema para nós.” O porta-voz previu que o sul mergulhará numa guerra civil depois da independência: “É um problema tribal. O governo do sul não inclui as tribos pequenas.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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