Fidel reaparece para condenar uso do etanol

Antes interessado na cooperação brasileira, o presidente cubano segue Chávez e se insurge contra o combustível, depois da adesão de Bush

O presidente Fidel Castro, convalescente de severa obstrução intestinal que o fez transferir em julho o cargo ao irmão, Raúl, deu mais uma prova ontem de sua recuperação. E de que o tempo passado de cama serviu para rever algumas de suas posições. Em artigo no jornal oficial Granma, intitulado Condenadas à morte prematura por fome e sede mais de 3 bilhões de pessoas no mundo, Fidel antecipou que será essa a conseqüência do plano dos Estados Unidos – em parceria com o Brasil – de promover a substituição parcial de gasolina por etanol.

Fidel completou, assim, um giro formidável em suas convicções: até o ano passado, antes de Bush abraçar a causa do etanol, o biocombustível figurava como um dos pilares da “revolução energética” promovida pelo regime cubano, ao lado de ganhos de eficiência na geração e consumo de energia elétrica. “A tragédia não consiste em reduzir os gastos de energia, mas na idéia de converter os alimentos em combustível”, explicou Fidel.

Depois de enveredar por cálculos do alto consumo de milho na produção de etanol, o presidente vaticinou: “Aplique-se esta receita aos países do Terceiro Mundo e verão quantas pessoas deixarão de consumir milho entre as massas famintas de nosso planeta. Ou algo pior: dê-se financiamento aos países pobres para produzir etanol do milho ou de qualquer outro tipo de alimento e não restará uma árvore para defender a humanidade da mudança climática.”

“Independentemente da excelente tecnologia brasileira para produzir álcool, em Cuba seu emprego para a produção direta de álcool a partir do caldo de cana não constitui mais que um sonho ou desvario dos que se iludem com essa idéia”, descartou. “No nosso país, as terras dedicadas à produção direta de álcool podem ser muito mais úteis na produção de alimentos para o povo e na proteção do meio ambiente.”

Desde a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Havana, em setembro de 2003, os dois países negociam a implantação de um programa de álcool combustível em Cuba. Maurílio Biagi Filho, um dos maiores empresários do setor no Brasil, conta que conversou por quase três horas com o Comandante, na época da visita de Lula, dissuadindo-o de que o etanol ameaçaria a produção de alimentos ou o emprego do bagaço em geração de energia. Ao contrário: mais cana, mais álcool, mais bagaço, explicou Biagi.

Fidel, cuja ilha reúne, como o Brasil, condições climáticas excepcionais para o cultivo de cana, convenceu-se e incorporou a idéia a sua “revolução energética”. Aparentemente desavisada da brusca revisão de políticas, há apenas duas semanas uma pesquisadora do Instituto Cubano da Indústria da Cana-de-Açúcar renovou em São Paulo o compromisso da ilha com essa “revolução”, durante a conferência internacional F.O. Licht’s Sugar and Ethanol Brazil.

“O interesse em investimentos levou o governo cubano a preparar um plano para modernizar o setor de etanol até 2011”, revelou a pesquisadora Marianela Cordovés Herrera, segundo a agência Reuters. O programa previa a modernização de dez usinas em Cuba e a construção de outras oito. Tudo com base no sistema flexível brasileiro, que permite “girar uma chave” para produzir açúcar ou álcool, de acordo com as demandas do mercado – no caso de Cuba, externo.

A chave para a mudança surpreendente está em Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, que abastece Cuba com petróleo em troca de médicos e professores. No dia 27 de fevereiro, às vésperas da chegada de Bush ao Brasil, Fidel participou, pelo telefone, do programa matinal de rádio Alô Presidente, de Chávez. Ambos ridicularizaram a proposta do etanol. Foi uma conversão para Chávez, também. Há um ano e meio, a estatal PDVSA, em convênio com a Petrobrás, mistura 10% de etanol à gasolina de todos os carros venezuelanos.

A estatal tem até um “diretor de etanol”, observa Biagi, que o ciceroneou por usinas de álcool da região de Ribeirão Preto, depois de um evento sobre 30 anos do Proálcool, realizado pelo Grupo Estado em 2005. “É triste o que estou vendo”, lamenta o empresário, que já visitou a ilha umas 15 vezes. “Pessoas que não têm nenhuma coerência.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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