Medo de Fidel: ser o próximo

Depois da queda de Saddam, líder cubano diz que os EUA planejam invadir Cuba

HAVANA – Fidel Castro está nervoso. Depois de assistir ao que aconteceu com Saddam Hussein, ele teme que sua hora esteja chegando. Minucioso em sua análise de cada passo dado pelos Estados Unidos, Fidel vê sinais por toda parte. E não quer que a celebrada capacidade de resistência do povo cubano, a única âncora do regime, esmoreça. A lealdade de cada cubano é questão de vida e morte, na expressão usada por ele mesmo.

Foi por isso que Fidel fuzilou três seqüestradores de uma balsa e botou na prisão 73 dissidentes, para espanto e indignação de seus amigos no exterior. Pelo menos 43 dos dissidentes, muitos deles jornalistas independentes, já foram condenados a até 27 anos de prisão. Além dos três seqüestradores executados, depois de processos sumaríssimos, outros quatro foram condenados à prisão perpétua e os quatro restantes a penas que variam de 30 a 2 anos.

Paralelamente, há uma onda de repressão aos crimes comuns, com pouca publicidade dentro e fora de Cuba, mas com efeitos muito mais diretos sobre a vida dos cubanos. É impossível viver de forma decente em Cuba sem cometer algum tipo de delito. Pelo menos para as pessoas comuns, que não desfrutam dos privilégios reservados ao círculo íntimo do poder.

O salário dos trabalhadores, aí incluídos médicos, engenheiros, advogados, etc., oscila de 150 a 300 pesos (de US$ 6 a US$ 12). Simplesmente não dá para sobreviver. Para ter garantido o leite em pó, a carne, produtos de higiene, roupas, remédios, etc., é preciso entrar no vasto submundo da compra e venda de mercadorias roubadas das fábricas e lojas estatais, dos serviços sem licença, dos contatos ilegais com turistas estrangeiros (para mais detalhes, clique aqui).

A polícia costuma fazer vista grossa desses pequenos crimes, cometidos por todos – até por ela mesma -, independentemente de sua adesão ao regime. Nos últimos dias, no entanto, o apetite dos chivatos (dedos-duros), sobretudo nos bairros pobres, reacendeu. Os cubanos, assustados com os fuzilamentos e prisões, estão acuados.

Aqui, crimes comuns e dissidência política se mesclam num emaranhado do qual é impossível escapar: cada vez que os Comitês de Defesa da Revolução (CDRs) e outros braços de repressão do regime decidem perseguir alguém, têm em mãos uma ficha de pequenos delitos. Assim, além de não engrossar a lista dos prisioneiros políticos, desmoralizam os “contra-revolucionários”.

Foi o próprio presidente cubano que fez a ligação entre a onda de repressão por ele promovida e o apetite do governo George W. Bush por mudar regimes que não lhe agradam. “A idéia sinistra é provocar um conflito armado entre Cuba e os Estados Unidos”, analisou Fidel, no programa de TV e rádio Mesa Redonda, do dia 25, ao qual compareceu para explicar a repressão a seqüestradores e dissidentes. “Quem tentar apropriar-se de Cuba, recolherá o pó de seu solo impregnado de sangue, se não morrer na luta”, advertiu Fidel, citando Antonio Maceo, herói da independência.

Juras de defesa da pátria fazem parte do cotidiano em Cuba, onde os jornais, TVs e emissoras de rádio, todos do governo, martelam diariamente a propaganda do regime. Mas a necessidade, sentida por Fidel, de responder à facilidade com que Saddam foi derrubado, deu um novo colorido à retórica – respaldada nos fuzilamentos e prisões em massa.

“Se acreditam que de algo serviriam em Cuba os grupos mercenários de Miami, eles durariam tanto quanto um merengue (suspiro) na porta de uma escola”, disse Fidel, referindo-se aos cubano-americanos, e numa analogia aos líderes da oposição iraquiana no exílio, patrocinados pelos EUA. “Mortos todos os líderes principais, nenhum dos quais jamais levantará bandeira branca, dezenas de combatentes ocuparão os postos de quantos chefes morrerem, e geração após geração lutará o povo de Cuba contra as tropas de ocupação. Ou seja, quando nosso país for ocupado, a guerra não terminará, mas começará.”

Nos meses de escalada que antecederam a guerra no Iraque, o presidente cubano deu a entender que acreditava que Bush estivesse blefando. Depois, quando a guerra pareceu iminente, Fidel passou a apostar no poderio do Exército do Iraque e na capacidade de resistência do povo iraquiano. A queda de Bagdá praticamente sem luta, depois de apenas 21 dias de guerra, desconcertou o líder cubano, que fala numa “guerra de cem anos” em caso de invasão americana.

Na quinta-feira, em seu discurso durante a celebração do Primeiro de Maio, Fidel procurou de todas as formas encorajar seu povo a lutar e dissuadir os americanos de atacar. Apegando-se à autoridade de João Paulo II, Fidel afirmou estar seguro de que, apesar de sua luta em favor da paz, pela qual tem “imenso respeito”, o papa “jamais aconselharia xiitas e sunitas a morrer sem se defender”. E também não pediria isso aos cubanos.

Segundo Fidel, os EUA parecem ter em mente duas hipóteses. “A minha eliminação física não me importaria, porque as idéias pelas quais lutei toda a vida perdurarão por muitos anos”, disse o presidente. “Mas, se forem atacar Cuba, isso me doeria muito, porque a guerra duraria muito tempo”, advertiu Fidel, estimando um número “incalculável” de mortes, não só de cubanos, mas de americanos também.

Quanto mais Fidel tenta mostrar que Cuba não é o Iraque, mais a sua retórica se parece com a de Saddam.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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