Não-alinhados respaldam Bolívia

País recebe apoio eloqüente do grupo em sua disputa com o Brasil, em documento final da reunião em Havana

HAVANA – A Bolívia recebeu ontem um eloqüente respaldo dos 118 países membros do Movimento dos Não-Alinhados na sua disputa com o Brasil. Num dos cinco documentos finais aprovados por consenso no encerramento da reunião de cúpula em Havana, o movimento se solidariza “com as medidas do governo boliviano” destinadas a “exercer uma soberania plena sobre seus recursos naturais em benefício de toda a sua população”.

De acordo com o chanceler cubano, Felipe Pérez Roque, que durante entrevista coletiva leu trechos dos cinco documentos aprovados ontem, o texto expressa “apoio e solidariedade ao povo e ao governo da Bolívia em momentos em que forças externas pretendem desintegrar o país, desestabilizar suas instituições e pôr em perigo sua democracia”.

A declaração não cita o Brasil. Mas os dois países entraram em conflito mais uma vez na quinta-feira, depois que uma resolução do governo boliviano reduziu a Petrobrás e outras multinacionais que operam no país a simples prestadoras de serviços. A reação do Brasil e de outros países levou à suspensão da medida e à renúncia do ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Solíz. O Brasil não é membro do movimento. O chanceler Celso Amorim participou do encontro, como observador.

Um segundo documento aprovado ontem apóia o presidente Hugo Chávez nos seus embates com o governo americano. O texto expressa preocupação pelas ações dos Estados Unidos, que “afetam a estabilidade da Venezuela”. Numa referência à eleição presidencial de dezembro, na qual Chávez, no poder desde 1999, é candidato mais uma vez, o texto respalda a “imparcialidade e confiabilidade” da Justiça eleitoral venezuelana para “garantir eleições imparciais e transparentes”.

Noutro tópico sensível, os 56 chefes de Estado e de governo presentes à cúpula e os representantes dos outros países “reafirmaram o direito fundamental e inalienável de todos os Estados de desenvolver a investigação, produção e utilização da energia nuclear com fins pacíficos.” Em contrapartida, a declaração exorta o Irã a cooperar “em caráter urgente” com a Agência Internacional de Energia Atômica.

Em seu discurso na manhã de ontem, o presidente do Parlamento da Coréia do Norte, Kim Yong-nam, anunciou que o seu governo “nunca” voltará às negociações sobre o seu programa nuclear enquanto os EUA mantiverem um embargo contra empresas que fazem negócios com a Coréia do Norte. “A aspiração da humanidade pela justiça e paz segue enfrentando grandes desafios devido às arbitrariedades e ao unilateralismo da superpotência”, disse ele.

Os outros dois textos pedem a reforma no Conselho de Segurança da ONU e condenam Israel pelas “agressões” ao Líbano e pela ocupação dos territórios palestinos.

Durante a cúpula, o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, e o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, anunciaram que os dois países retomarão negociações sobre a disputa do território da Caxemira.

“Produziu-se em Havana um virtual relançamento do movimento”, festejou o chanceler cubano. “A cúpula foi um sucesso.” O governo de Cuba, que assumiu a presidência de turno do movimento, nutria enorme expectativa quanto a essa reunião de cúpula. Mas o presidente Fidel Castro, que transferiu seus cargos para seu irmão Raúl, 31 de julho, por causa de uma severa obstrução intestinal, não pôde comparecer ao Palácio de Convenções, sede da reunião, não muito longe da área fortemente guardada onde se situa sua residência. Durante a semana, a mídia cubana mostrou Fidel recebendo, de pijama, em encontros separados, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, os presidentes Hugo Chávez e Abdelaziz Buteflika, da Argélia, e o deputado argentino e amigo Miguel Bonasso.

Numa espetacular reversão de conceitos, o chanceler Pérez Roque aproveitou a abertura dos trabalhos no nível dos diplomatas, dia 11 (quinto aniversário dos atentados contra as Torres Gêmeas), para pedir uma luta contra o “terrorismo norte-americano”. “Cuba é um dos países mais afetados pelo terrorismo, há 47 anos”, disse ele.

Em contrapartida, Cuba preparou uma “agenda positiva” para a cúpula, baseada em três iniciativas cubanas: a transferência de seus modelos de ensino e saúde e sua “revolução energética”, que envolve um sistema de geração supostamente mais eficiente, desenvolvido na ilha, e um programa de troca dos velhos eletrodomésticos soviéticos por aparelhos feitos na China, que consomem menos eletricidade. A troca de todos os eletrodomésticos custa cerca de US$ 100 aos cubanos, que têm 20 anos para pagar.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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