Sinais da ‘conspiração’

Fidel lista acontecimentos que indicariam um plano de “agressão” a Cuba

HAVANA – Em Cuba, a percepção da ameaça americana é tão velha quanto a Revolução de 59. O que torna o momento mais grave, na visão de Fidel Castro, é não só a derrubada de regimes no Afeganistão e no Iraque, mas uma série de iniciativas do governo Bush dirigidas a Cuba. O presidente cubano as listou detalhadamente em discurso transcrito na íntegra pelo jornal Trabalhadores, na segunda-feira.

De acordo com Fidel, o presidente americano teve uma reunião com líderes cubano-americanos da Flórida, que ele chama de “a máfia de Miami”, e a quem atribui a “vitória fraudulenta” de Bush na eleição de 2000. Na ocasião, Bush teria garantido a seus “íntimos e indiscretos amiguitos” que podia “resolver facilmente o problema de Cuba”.

O plano de “agressão” contra Cuba seguiu adiante, com a indicação de Otto Reich, um “bandido de origem cubana”, para o cargo de secretário-assistente de Estado para as Américas. Reich, por sua vez, nomeou, em setembro, James Cason, homem de sua confiança, chefe da Seção de Interesses dos Estados Unidos em Cuba (Sina).

O Senado rejeitaria em dezembro o nome de Reich, por causa de seu envolvimento no escândalo Irã-Contras, mas ele passaria a representante especial do presidente para América Latina no Conselho de Segurança Nacional. “Um bandido terrorista no gatilho da superpotência apontado para Cuba!”, resumiu Fidel.

Ao assumir o cargo em Havana, no dia 10 de setembro, Cason anunciou que seu objetivo era “acelerar o processo em direção a uma Cuba democrática”. No dia seguinte, no primeiro aniversário dos atentados contra os Estados Unidos, Cason voltou ao tema, expressando suas “esperanças de que o povo cubano desempenhe um papel vital nas mudanças que devem ocorrer em Cuba”.

O encarregado de negócios americano passou a reunir a cada uma ou duas semanas em sua residência o que o presidente cubano chama de “cabeças contra-revolucionárias” e jornalistas independentes.

Um dos temas em pauta do dia 10 de outubro foi a eleição no Brasil. Cason promovia seminários sobre imprensa e, segundo informaram em tom depreciativo membros do governo, pagavam uma ajuda de custo de US$ 30 a cada um desses jornalistas.

No dia 24 de fevereiro, registra Fidel em seu minucioso relato, Cason deu uma entrevista coletiva depois de reunião com contra-revolucionários para celebrar a guerra de independência em Cuba, na qual declarou: “Este grupo demonstra que há cubanos que não têm medo. Eles sabem que a transição em direção à democracia está em marcha. Queremos que saibam que não estão sós.

Nós como país apoiamos a democracia, as pessoas que lutam por uma vida melhor e por justiça.” As reuniões na casa de Cason foram consideradas subversivas e 73 participantes foram presos entre os dias 18 e 25 de março.

Ao mesmo tempo, ocorria uma onda de seqüestros em Cuba: o da balsa foi precedido por outros dois, de aviões, ambos desviados para a Flórida.

Na noite do dia 19, 2 horas e 9 minutos depois do seqüestro do primeiro avião, contabiliza Fidel, um pouco enigmaticamente, os EUA começaram a bombardear Bagdá. O governo americano negou pedido de Cuba para que devolvesse os passageiros e o avião, um DC-3. Os seis seqüestradores foram liberados sob fiança pela Justiça americana.

O segundo avião foi seqüestrado no dia 31 de março. “Repetiu-se a história”, disse o presidente cubano, quando os aviões chegaram à Flórida: “brutal mau-trato e humilhação dos passageiros, privilégios para cúmplices, mão de seda com o seqüestrador, avião confiscado, retenção da tripulação”. Segundo ele, um “estímulo” aos seqüestros.

À 1h40 do dia 2 de abril, 11 seqüestradores, armados com uma pistola e cinco facas, tomaram a lancha Baraguá, com 29 reféns. Quarenta horas depois, as forças de segurança assaltaram o barco e prenderam os seqüestradores.

Do dia 19 para cá, de acordo com o presidente, as forças de segurança interceptaram 29 planos de seqüestrar embarcações e aviões, algo que não ocorria havia muitos anos. “Havia que cortar rapidamente aquela onda de seqüestros”, afirma Fidel, justificando os julgamentos sumaríssimos.

O presidente cubano argumenta que os seqüestradores da balsa eram “criminosos comuns”, para diferenciá-los dos dissidentes presos e assim afastar a idéia de que o “paredón” está de volta para os que se opõem ao regime. Entretanto, ao justificar a adoção da pena de morte, ele próprio utiliza argumentos políticos.

“Em geral, os que participam nessas contendas partem do princípio real de que é uma batalha de vida ou morte”, disse o presidente cubano, referindo-se à adoção da pena de morte desde os primórdios da Revolução. “Se os revolucionários não se defendem, sua causa é derrotada e têm de pagar com suas vidas.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*