Brasil ameaça tirar tropas do Haiti se outros países não ajudarem

Chanceler Celso Amorim queixa-se de falta de apoio internacional e não aceita que o País esteja lá só para garantir a ordem

PORTO PRÍNCIPE – O Brasil vai rever a sua presença no Haiti se não houver um esforço tanto dos haitianos quanto da comunidade internacional de complementar a ação militar com ajuda econômica ao país. A advertência foi feita ontem pelo chanceler Celso Amorim, durante visita de um dia a Porto Príncipe. “Se a gente começar a sentir que os entraves são muito grandes e a expectativa tanto haitiana como da comunidade internacional é só repressão, vamos ter que rever”, declarou Amorim.

À pergunta sobre se “rever” significa ir embora do Haiti, Amorim respondeu: “Nós teríamos tentado, feito o melhor possível, mas não depende só de nós. Nós vamos ter que fazer uma avaliação, se vão bancar ou não”, continuou o chanceler, em conversa com os jornalistas no “Sucatinha”, o Boeing 737 presidencial que trouxe Amorim e outras 26 pessoas ao Haiti. “Se tudo correr bem, eu acho que nós vamos ficar até as eleições.” Estão previstas eleições locais, parlamentares e presidenciais entre setembro e dezembro do próximo ano no Haiti.

Segundo ele, além da segurança, são necessários diálogo político e ajuda humanitária e econômica. “Se as três partes não caminharem juntas, volta a ser o que era no passado.” O chanceler reclamou da falta do dinheiro prometido pela comunidade internacional: “Você ouve muita coisa, já foram liberados US$ 150 milhões, mas não sei onde é que está (o dinheiro).”

Numa reunião de doadores realizada em julho em Washington, foi prometido US$ 1,3 bilhão para o Haiti. Parte do atraso se deve à falta de projetos e de instituições locais para geri-los. O chanceler diz que sente disposição no secretário-geral da ONU, Kofi Annan, no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (que tem US$ 6 milhões só para projetos humanitários no Haiti).

Mais tarde, durante entrevista coletiva de Amorim e do primeiro-ministro Gérard Latortue, um repórter haitiano disse que muitas pessoas viam as tropas brasileiras como “força de ocupação” e perguntou “qual o real interesse do Brasil” no Haiti. A pergunta era dirigida a Latortue, mas Amorim quis responder.

Falando em francês, o chanceler explicou que se trata de uma força de estabilização da ONU: “Não viríamos jamais ao Haiti sem o consenso do Conselho de Segurança”, salientou Amorim, acrescentando que a intenção do Brasil é “promover o diálogo político e ações de cooperação para agir como catalisador” de outras ações nesse sentido da comunidade internacional. “O presidente Lula e nós do Itamaraty somos otimistas, mas não somos ingênuos”, disse Amorim. “Sabemos que a tarefa é difícil e esperamos que a comunidade internacional nos acompanhe nesse esforço.”

Amorim – que antes havia estado com o presidente Boniface Alexandre – assinou no fim da manhã de ontem com Latortue dois acordos de cooperação para capacitar agricultores e melhorar a cultura e o beneficiamento da mandioca e da castanha-de-caju no Haiti. Os dois projetos serão custeados pelo Brasil e terão assistência técnica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O projeto da mandioca durará dez meses, ao custo de US$ 119 mil; o da castanha, orçado em US$ 121 mil, dois anos e meio.

O chanceler assinou também com Ian Bannon, enviado do Banco Mundial, um acordo para distribuição de merenda para 35 mil crianças em escolas públicas de diversas regiões do país ao longo de 2005. O Banco Mundial entra com US$ 789 mil e o Brasil, com outros US$ 300 mil. A Brigada Brasileira ajudará a distribuir a merenda.

“Este é um exemplo realmente notável de cooperação Sul-Sul”, disse Bannon. ‘Esperamos que outros países sigam o exemplo do Brasil.” Segundo Amorim, é o primeiro acordo com o Banco Mundial de um país em desenvolvimento para ajudar outro país em desenvolvimento.

O Haiti deve US$ 30 milhões ao Banco Mundial e por causa da inadimplência não pode receber empréstimos do organismo. Técnicos do Ministério da Fazenda em Brasília estudam a possibilidade de o Brasil oferecer uma garantia nesse valor ao Banco Mundial, para que o Haiti possa sacar US$ 60 milhões – devolvendo metade para o Brasil e ficando com a outra metade.

À tarde, o chanceler entregou os primeiros 200 kits de material escolar – de um total de 15 mil que serão distribuídos em escolas da periferia de Porto Príncipe. A entrega foi feita numa escola reformada com ajuda da Brigada e rebatizada com o nome de Duque de Caixas.

Lourival Sant’Anna viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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