Haitianos fazem fila para retirar suas economias

As agências bancárias que não foram destruídas pelo terremoto do dia 12 reabriram ontem às 9 horas em Porto Príncipe, permitindo pela primeira vez aos moradores da capital ter acesso ao seu dinheiro para comprar água e comida

PORTO PRÍNCIPE  – No resto do país, as agências tinham começado a reabrir na quinta-feira. Os bancos estão liberando no máximo 100 mil gourdes ou US$ 2,5 mil por cliente, para atender ao grande fluxo de pessoas que acorreram ontem às agências. Desde o amanhecer, formaram-se longas filas.

Às 9 horas, havia 187 pessoas do lado de fora da agência do Sogebank, no bairro de classe média de Delmas. Os clientes entravam de dez em dez. “Eu não tinha dinheiro nenhum quando veio o terremoto e destruiu minha casa”, contou Valentain Fanor, de 51 anos, que trabalha como soldador. “Os vizinhos são como nossa família e nos deram comida”, disse Fanor, que tem cinco filhos. Um deles, atingido pelos escombros, sente dores internas no tórax.

A família está dormindo numa tenda improvisada. “Minha casa era pequena, mas era minha”, disse o soldador, com uma mescla de orgulho e tristeza. “Não tenho trabalho nem esperança. Fico vagando pelas ruas.” Fanor tem 500 gourdes (US$ 12,50) na conta, mas tinha ouvido falar que o banco só lhe entregaria 200 (US$ 5). “É o que terei para comprar um pouco de comida para minha família.”

O aperto do dinheiro coincide com o desabastecimento – por causa da destruição do porto – e o aumento dos preços. O quilo do arroz, base da alimentação dos haitianos, praticamente dobrou, de 23 gourdes (US$ 0,57) para 45 gourdes (US$ 1,12). Percursos de tap tap, um lotação montado sobre a carroceria de camionetes, que antes custavam 10 gourdes (US$ 0,25) passaram para 25 gourdes (US$ 0,62).

Os olhos verdes de Ruth Français Baeusiquo ficam marejados quando lhe perguntam sobre sua situação. “A casa da minha mãe caiu, e não tenho notícias dela”, conta Ruth, que trabalhava como camelô. “Minha casa também caiu. Tinha comida lá dentro, mas não consegui tirar de lá. Ficamos sem nada para comer e dormimos na rua”, disse Ruth, viúva aos 36 anos, com uma filha de 8 e um filho de 4. “Nossos vizinhos vivem como família e me ajudaram”, explicou ela, repetindo uma frase comum entre os haitianos.

Ruth contou que vendia cosméticos, que ela comprava na vizinha República Dominicana. “Se eu tivesse dinheiro, iria embora para lá com meus filhos.” Ela tem mil gourdes (US$ 25) no banco. “Aqui no Haiti não há esperança. Não sei como será o dia de amanhã. Não acredito que os tremores acabaram.”

As filas nos bancos e nas agências de transferência de dinheiro, reabertas no meio da semana, só se equiparam com a da embaixada americana, onde quem tem algum parente nos Estados Unidos luta para conseguir um visto e ser evacuado nos aviões de carga Galaxy que partem lotados de haitianos diariamente.

Venel Celin, de 33 anos, que mora em Delray Beach, na Flórida, conseguiu despachar seus dois filhos e a ex-mulher. Graças a seu filho mais novo, de um ano, que nasceu nos Estados Unidos e é cidadão americano, o irmão de oito e a mãe foram evacuados. Ontem Celin esperava na fila para tentar sacar US$ 140 enviados por sua atual mulher, para ir por terra para a República Dominicana, e de lá comprar uma passagem de avião com cartão de crédito.

“Cheguei dia 29 para passar férias, e fiquei tempo demais”, disse Celin, com um sorriso triste. Ele perdeu tia, primos e sobrinhos no terremoto. A casa de sua família foi destruída, e ele também dorme no chão, e foi alimentado com dinheiro do irmão e de uma amiga.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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