‘OEA está sendo complacente com ditadura e não deve cair em armadilha’

Líder deposto adverte chanceleres da organização a não respaldar eleições sob o governo de facto

TEGUCIGALPA – Manuel Zelaya coloca o chapéu quando vê o fotógrafo do Estado: “Se não, não vão me reconhecer no Brasil. Vão pensar que é outro presidente.” Confinado há 16 dias na embaixada do Brasil, sem poder falar pessoalmente com seus assessores que estão fora, mas apenas por celulares grampeados, Zelaya mantém o bom humor. Instalado na sala em que dorme com sua mulher, Xiomara, Zelaya deu ontem entrevista exclusiva ao Estado, na qual acusou a Organização dos Estados Americanos (OEA) de “complacência com a ditadura” e advertiu os chanceleres do organismo que chegam hoje ao país a não respaldar a realização das eleições de novembro sob o governo de facto.

Qual sua expectativa em relação à missão da OEA? 

Até aqui, a comunidade internacional fez um esforço importante, mas alertamos aos chanceleres da OEA que não se prestem às manobras cada vez mais evidentes de prolongar a ditadura que se estabeleceu em Honduras. O que estão fazendo é prolongar o sofrimento do povo hondurenho, ao não permitir eleições transparentes.

O sr. nomeou oito delegados para representá-lo perante a missão da OEA. Pôde falar com eles? 

Não, absolutamente.

E teve algum contato com o governo, por meio de intermediários, para conseguir essa autorização? 

Também não. Tenho tido contato com a OEA. Mas ela está sendo complacente demais. Praticamente abandonou o Plano Arias (proposto pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias).

Por que o senhor acha que a OEA está mudando de posição? 

Por estratégia.

Para alcançar uma solução? 

Mas eles devem procurar não cair numa armadilha. Estou muito satisfeito com as posições do presidente (dos EUA, Barack) Obama, e sua secretária de Estado, Hillary Clinton. Mas alguns subalternos estão jogando mais em favor da política dos velhos republicanos do que da democracia que Obama e Hillary querem imprimir.

Sob que condições o senhor aceitaria a realização das eleições, para se chegar a uma saída? 

As eleições só são aceitáveis se houver liberdade e participação igualitária de todos os grupos. Se há preferência por ele (o governo de facto) e a gente é excluída, e se reprimem os meios de comunicação, são eleições inválidas, fraudulentas, parciais. Aprofundariam a crise.

Mas o senhor não pode ficar aqui indefinidamente… 

Eu gostaria de ir esta noite (solta uma gargalhada). Meu plano é o mais breve possível. Estou agradecido ao Brasil, a Lula, por seu apoio à democracia hondurenha. Mas logicamente queremos resolver esse problema.

O governo brasileiro sabia de sua vinda à embaixada? 

Não sabiam de nada. Fiquei mais de uma hora e meia lá fora, esperando o Brasil dar autorização para eu entrar aqui.

Por que escolheu a embaixada do Brasil? 

Por que não o Brasil? É a maior democracia da América, depois dos EUA.

O senhor faria algo diferente, se soubesse que ia acontecer tudo isso? 

Em política, não existe um manual de instruções. Você tem de decidir o que fazer a cada cinco minutos, para buscar saídas. Não sabe o que vai acontecer.

O senhor acha que avançou demais ao insistir na consulta (sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte)? 

A consulta é o único mecanismo para a reforma constitucional da qual o país necessita. Quem fizer de outra forma atropelará as leis e a Constituição.

Voltando à presidência, o que fará com o comando das Forças Armadas, que ficou do ‘outro lado’? 

Isso é parte do que se pode negociar, no processo.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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