Operação de guerra do Exército cerca embaixada

Para entrar no prédio, ‘Estado’ se submete a revista intensa e tem bens confiscados; militares fazem pressão contínua contra guardas de Zelaya

TEGUCIGALPA – A grade que bloqueia o acesso à rua da embaixada separa a primeira fileira de policiais, do lado de fora, da primeira linha de soldados do Exército, na parte de dentro. Como resultado de uma trabalhosa negociação de uma semana com as áreas civil e militar do governo de facto, um coronel do Exército telefona ao delegado que comanda o efetivo policial da segurança, autorizando a entrada do repórter e do fotógrafo do Estado.

Depois de esperar duas horas até que saiam os deputados espanhóis que vieram visitar o presidente deposto Manuel Zelaya, o delegado finalmente pede que os dois o sigam. Depois da curva à esquerda, a revista minuciosa é feita numa tenda de lona com uma pequena mesa de plástico. Cinco policiais e cinco soldados – dois de cada com capuzes – rodeiam os jornalistas. Um dos soldados de capuz filma tudo. Ao lado, dois homens à paisana e encapuzados, um deles filmando também.

Um policial e um soldado anotam todos os itens em papéis sobre pranchetas. Carregadores de bateria, modems, adaptadores e o rádio ficam, assim como medicamentos. Mas, com negociação, permite-se passar o essencial para o trabalho.

A entrada no portão da embaixada – ponto de contato entre o governo de facto e a “resistência” ou governo deposto – é rápida e tensa. Os jornalistas do Estado ganham o pátio interno, e são apresentados aos zelaystas (cerca de 40, no total) que ocupam a casa, e cuidam da limpeza e da vigilância. Dos dois lados e no fundo, a embaixada está cercada de acampamentos do Exército nos quintais das três casas vizinhas.

“(Os militares) fizeram churrasco ontem”, suspira o ministro-conselheiro Lineu Pupo de Paula, um dos dois encarregados da embaixada, que, como os outros ocupantes da casa, come marmitas trazidas por representantes da Comissão de Direitos Humanos de Honduras.

Cada movimento visível de fora da casa é filmado pelos agentes que a monitoram de fora. Numa das casas nas vizinhanças, convertida em “gabinete de crise”, equipada com monitores e computadores, os agentes de inteligência analisam as imagens e identificam as pessoas. Os zelaystas que se revezam na vigilância do perímetro da casa têm sido surpreendidos pelos soldados encapuzados gritando seus nomes: “Como você entrou aqui? Vou pegá-lo, estou só esperando que saia daí.”

“São pressões psicológicas, para tentar nos desmoralizar”, interpreta Mario Irías, de 37 anos, que foi sargento do Exército e fica frequentemente no portão. “Fui militar e entendo.”

Durante a noite, os policiais apontam as miras de infravermelho no rosto dos vigias zelaystas. Outra forma de assédio é engatilhar os fuzis. “Sabemos que, se eles resolverem invadir, não poderemos impedir”, reconhece Irías. A vigilância serve para alertar para um ataque de gases tóxicos, como o que houve supostamente no dia 26, ou se tentarem jogar armas dentro da casa, para acusá-los de estar armados, explicam os militantes. As 17 armas dos seguranças de Zelaya foram trancadas numa saleta da embaixada, onde se guardam as comunicações secretas para o Itamaraty.

A análise da água entregue pelos bombeiros, feita por um laboratório estatal a pedido da Promotoria de Direitos Humanos por intermédio da ONU, deu que sua qualidade é boa. Os zelaystas suspeitam que esteja contaminada. Nova amostra foi colhida ontem, para verificar se há metais pesados.

Policiais e homens à paisana subiram à tarde no telhado de uma casa ao lado. Pareciam estar consertando o telhado, mas os zelaystas temem que estivessem instalando mais um aparelho. Eles já fotografaram soldados usando um aparelho acústico de longo alcance. Com a forma de um holofote, ele emite ruídos que podem causar danos permanentes. Também encontraram um misturador de sinais de celulares, embutido numa parede que dá para fora. Zelaya suspeita que esteja sendo usado um terceiro aparelho: um “sistema de negação ativa”, que emite raios que causam mal-estar. Mas não há provas disso.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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