Em Detroit, plano de estímulo à indústria automobilística vale voto

Trabalhadores brancos que votavam nos republicanos dizem que Obama ‘salvou’ seus empregos; influência de sindicatos também ajuda democrata

DETROIT, MICHIGAN – Edward Gawlik, David Woodruff e Kevin Tomko esperavam o turno das 15h30 conversando na porta da Chrysler, na Mound Road, onde montadoras, fábricas de autopeças e desenvolvedoras de tecnologia se estendem ao longo de 20 quilômetros, no norte de Detroit. Como grande parte dos trabalhadores brancos, Woodruff e Tomko costumavam votar nos republicanos. Gawlik é o único democrata. Agora, os três votarão em Barack Obama.

“Obama nos salvou”, resume Gawlik, de 57 anos. “Ele ajudou muito nosso país, nossa indústria. Eu não teria emprego se não fosse por ele.” Gawlik diz que, por pouco, não ficou desempregado na crise econômica que assolou os EUA em 2008 e 2009, no final do mandato de George W. Bush e início do de Obama.

“A mesma coisa”, concorda Woodruff, de 55 anos, que votou no republicano John McCain em 2008. “Sei que Mitt Romney tem muitas queixas, mas não vejo soluções bem fundamentadas nele”, diz Tomko, de 54 anos, que também votou em McCain. “As coisas melhoraram aqui para as companhias automobilísticas, mas não posso dizer a mesma coisa para todo o restante.”

Chuck Stoyanov, de 45 anos, engenheiro de produção da Ford, é outro que costumava votar nos republicanos – incluindo McCain -, mas agora votará em Obama. “Ele salvou a indústria automobilística”, reconhece. “Fez muito pelos trabalhadores.”

Logo que assumiu, Obama formou uma comissão composta de representantes das montadoras, dos bancos, dos sindicatos e do governo para elaborar um plano para salvar as “três grandes” (General Motors, Ford e Chrysler) da insolvência. Foi como se ele quisesse aplicar sua experiência como ativista em áreas pobres de Chicago, onde reunia a comunidade para resgatar moradores da marginalidade. Dessa vez, o desafio era resgatar o símbolo máximo do capitalismo americano. Deu certo.

As montadoras assumiram compromissos de saneamento de suas gestões, o governo ofereceu garantias financeiras e os bancos aceitaram rolar as dívidas, tirando a indústria da insolvência. A indústria não só preservou 1,1 milhão de empregos como criou outros 250 mil, segundo o United Auto Workers (UAW), o sindicato dos trabalhadores do setor.

O desemprego de 7,8% é muito elevado para os padrões americanos. Depois da Grande Depressão dos anos 30, Ronald Reagan foi o presidente que disputou a reeleição com o mais alto índice de desemprego: 7,2%. Nesse quadro, Detroit tornou-se a maior história de sucesso para a gestão Obama. Seu vice, Joe Biden, cunhou o melhor slogan da campanha: “Com Obama, Bin Laden está morto e a General Motors está viva.”

A sobrevivência da indústria automobilística está associada ao orgulho nacional. “Ninguém é melhor do que os americanos para fazer carros”, disse Dave Edgar, diretor do UAW. “Se a GM, a Chrysler e a Ford falissem, teria sido devastador para a economia.”

Edgar lembra a frase atribuída a Mitt Romney durante a disputa das primárias republicanas em 2008: “Deixe Detroit falir” – na verdade, o título de um artigo de Romney publicado na época no jornal The New York Times, não uma frase literal do candidato. No debate de terça-feira, Romney explicou que propunha a decretação da falência das montadoras para que elas passassem por um regime de recuperação, e disse que foi isso o que Obama fez.

O sindicalismo tem longa tradição de associação aos democratas. A central sindical AFL-CIO está para o Partido Democrata assim como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) está para o PT. O resgate de Detroit parece ter revigorado essa aliança, proporcionando uma base eleitoral para Obama.

Bob King, o presidente da UAW, discursou na convenção democrata que nomeou Obama candidato do partido. “Por causa da coragem moral e da liderança do presidente Obama, a indústria automobilística da América está acelerando de novo e estamos orgulhosos de liderar a recuperação da economia americana.”

A tendência da classe trabalhadora branca ao conservadorismo nos EUA, em geral, é contrabalançada, em Detroit, pela influência “liberal” (no sentido americano, de maior papel do Estado) dos sindicatos, de acordo com Michael Traugott, cientista político da Universidade de Michigan.

“A atitude dos republicanos é cada um por si. Se você não dá conta, problema seu”, define Gil Ski, metalúrgico branco aposentado, de 62 anos, que costuma votar nos democratas. “Obama é um bom homem, que está a favor das pessoas comuns. As coisas têm melhorado devagar. Foi um começo duro a partir de 2008. Aos poucos, as coisas vão se encaixando. Leva tempo.”

“Votarei em Obama porque ele apoia o sindicato”, explica Edward Phillips Jr., de 65 anos, aposentado há 10. “Detroit é uma cidade sindicalista. Meu pai e eu trabalhamos nas três grandes. Isso aqui seria assustador sem os sindicatos. Se a hora de trabalho é em torno de US$ 15, sem os sindicatos seria uns US$ 10.”

Phillips coloca ainda como motivo complementar para votar em Obama o fato de ser negro, como ele. De acordo com Traugott, mais de 85% da população de Detroit é negra, uma concentração que aumentou depois das ondas de protestos por igualdade racial nos anos 40 e 60, que levaram muitos brancos a deixar a cidade. Diante de tudo isso, diz Traugott, os republicanos fizeram zero propaganda no Estado. “Eles desistiram de Michigan.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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