Esse grande e complicado muro

Legenda: MAY E TRUMP: os dois tiveram um encontro amigável nessa sexta-feira/ Kevin Lamarque/ Reuters

Lourival Sant’Anna

Donald Trump teve nesta sexta-feira sua estreia no grande tabuleiro da política externa e entrou em contato com as vastas consequências de suas posições e com o impacto que elas produzem nos aliados mais próximos dos Estados Unidos, ao se reunir com a primeira-ministra britânica, Theresa May. Pressionado por May antes do encontro e pelos jornalistas depois, Trump se recusou a confirmar ou descartar o levantamento das sanções contra a Rússia. Ele tinha conversas telefônicas marcadas para este sábado com o presidente russo, Vladimir Putin, e a chanceler alemã, Angela Merkel.
Antes da primeira reunião de Trump como presidente empossado com um chefe de governo, May fez um apelo público para que os EUA não levantassem as sanções impostas em 2014 por americanos e europeus contra a Rússia, por causa da anexação da Crimeia e do apoio a separatistas russos no leste da Ucrânia. Em um de seus últimos atos como presidente, Barack Obama ampliou as sanções, em represália contra o suposto envolvimento do governo russo na invasão de sistemas de votação nos EUA e no vazamento de emails da campanha da candidata democrata, Hillary Clinton.
“Vamos ver o que acontece”, respondeu Trump, à pergunta dos repórteres sobre se ele manteria ou não as sanções contra a Rússia, na entrevista coletiva conjunta, ao lado de May, na Casa Branca. “É muito cedo. Se pudermos ter um ótimo relacionamento com a Rússia, a China e todos os países, sou totalmente a favor.”
De sua parte, May afirmou que Trump lhe havia assegurado durante a reunião que os EUA “respaldam 100% a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)”, a aliança de defesa ocidental até aqui liderada pelos americanos. Trump também não confirmou nem desmentiu. Ele havia dito durante a campanha que só defenderia os aliados da Otan no Leste Europeu de uma ameaça russa se eles arcassem com o custo da operação militar.
Trump reiterou seu apoio à decisão dos britânicos de se retirar da União Europeia — à qual May se opôs durante a campanha antes do referendo de junho, mas que agora como primeira-ministra tem de implementar. Ele qualificou o chamado Brexit de “uma coisa maravilhosa” para a Grã-Bretanha, e acrescentou que isso abriria caminho para um novo acordo de livre comércio entre os dois países. Trump é crítico dos acordos multilaterais e defensor dos bilaterais. Neste momento, o lançamento de negociações comerciais com os EUA reforçaria a posição britânica nas tratativas com a União Europeia para deixar o bloco e costurar um novo acordo de livre comércio.
Em contrapartida, a visita de May representou um respaldo ao mandato de Trump, cuja legitimidade é questionada pelo fato de ele ter sido derrotado por Hillary no voto popular por 2,8 milhões de votos (mas vencido no Colégio Eleitoral, que é o que conta), e também pela acusação de interferência russa pelo serviço secreto americano. “Obrigada por me convidar logo depois da posse”, agradeceu May. “Estou encantada em poder parabenizá-lo pela sua impressionante vitória eleitoral. Em mais um sinal da importância dessa relação, transmiti o convite de sua majestade a rainha para que o presidente Trump e a primeira-dama visitem o Reino Unido este ano, e estou encantada de o presidente ter aceitado o convite.”
Trump salientou que a chamada “relação especial” entre os dois países “foi uma das grandes forças da história pela justiça e a paz”, e acrescentou: “A propósito, minha mãe nasceu na Escócia”. Quando um repórter britânico fez uma pergunta ácida a Trump sobre a questão do aborto, May veio a seu socorro, desviando o assunto. Trump, com seu humor de gosto duvidoso, brincou com May: “Essa escolha foi sua. É por aí que vai esse relacionamento”.
Trump aproveitou a coletiva — sua primeira como presidente empossado — para informar que recebera um telefonema “muito amigável” do presidente mexicano, Enrique Peña Nieto. Mas reafirmou: “O México levou a melhor nas negociações conosco e nos fez de bobo através de nossos líderes anteriores. Não seremos mais o país que não sabe o que está dizendo”.
Na véspera, os dois travaram um duelo à distância. Trump anunciou a construção do muro na fronteira e reafirmou que os mexicanos pagariam pela obra. Peña Nieto reiterou que não pagaria coisa nenhuma e Trump disse que então era melhor ele cancelar a reunião que teriam em Washington no dia 31. Foi o que o presidente mexicano fez.
Durante as primárias republicanas, para atacar o adversário Jeb Bush, cuja mulher é mexicana, Trump chegou a dizer: “Neste país falamos inglês, não espanhol”. Um pequeno erro cometido pela Casa Branca nos preparativos para a visita de May serviu de irônico recado a Trump. Nos folhetos distribuídos à imprensa e aos convidados sobre a programação da reunião de cúpula, o nome da primeira-ministra britânica foi impresso sem o “h”: “Teresa May”, nome de uma famosa atriz pornô. É a grafia em espanhol.
Na verdade, os EUA são o segundo maior país de fala espanhola do mundo depois do México, com 41 milhões de nativos e mais 12 milhões de bilíngues. Mais até do que a Espanha, com seus 24 milhões de habitantes. Graças às políticas de diversidade de sucessivos governos, republicanos e democratas, há muitos funcionários federais latinos, negros e asiáticos.
Provavelmente Trump está começando a se dar conta de que o mundo é complicado.

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