Luta política expõe fratura americana

Obama colhe os frutos de ter salvado empregos na indústria automobilística de Detroit; Las Vegas sente os efeitos da crise econômica, pela qual culpam Bush; conservadores religiosos vivem dilema entre preocupações sociais e oposição ao aborto

Nas últimas semanas, o Estado percorreu 10 cidades de 5 Estados americanos e ouviu 79 eleitores. Juntos, eles compõem o mosaico do eleitor americano: brancos conservadores e liberais, latinos, negros, asiáticos, pobres, ricos, protestantes e católicos. O quadro é o de um país polarizado, como sugere a pequena fatia de indecisos: em torno de 5%.

Depois de quatro anos de crise econômica e de governo do primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, o voto obedece fielmente à classe social, à identidade étnica, à convicção religiosa e à idade – sendo o resultado de um entrecruzamento dessas quatro coisas.

O repórter do Estado não encontrou nenhum latino ou negro que pretendesse votar no republicano Mitt Romney. As opiniões dividem-se na classe média branca. Entre os ricos é muito difícil encontrar um eleitor do democrata Barack Obama, como é quase impossível achar um pobre que vá votar em Romney. Dentre os marginalizados, no entanto, a própria condição vulnerável que os inclinaria a votar em Obama faz com que não votem em ninguém. É o caso dos moradores de trailers das “comunidades móveis”, o equivalente americano das favelas, e dos “mojarritas”, imigrantes latinos ilegais, que não podem votar.

Detroit é a grande história de sucesso econômico do governo Obama, que salvou o 1,1 milhão de empregos da indústria automobilística e gerou outros 250 mil. Trabalhadores brancos conservadores, que costumavam votar nos republicanos, incluindo em John McCain, o adversário de Obama em 2008, “converteram-se” agora a Obama, que veem como salvador.

Seu contraponto é Las Vegas, duramente atingida pela crise, simbolizada por cinco esqueletos de hotéis-cassinos na célebre The Strip, a avenida que concentra as atrações da cidade. Mesmo assim, em Las Vegas Norte, cidade-dormitório que fornece a mão de obra para a construção civil e para a indústria do turismo, latinos e negros culpam o presidente anterior, o republicano George Bush, por sua situação e querem dar mais quatro anos a Obama. Já na rica Summerlin, a noroeste de Las Vegas, instrutores de golfe, paisagistas, donos de loja e empresários votam maciçamente em Romney.

Obama é extremamente impopular dentre os aposentados que realizaram o sonho de deixar o frio do norte para ir morar na Flórida, o “Estado do sol e do imposto baixo”. Eles se queixam de que a reforma do sistema de saúde aumentou suas contribuições. Já os mais jovens acham que Obama garantiu a sua aposentadoria. No meio, as opiniões se dividem entre os que consideram a reforma autoritária, por obrigar todos os cidadãos a pagar um plano de saúde, e os que se perguntam por que os Estados Unidos não podem ter um sistema público de saúde, como outros países desenvolvidos.

As credenciais conservadoras de Romney não são impecáveis: ao longo de sua carreira política em Massachusetts, Estado liberal, ele aceitava o aborto em alguns casos e preocupava-se com temas ambientais. Além disso, Romney é mórmon. O Estado foi testar o ânimo dos conservadores de sair de casa para votar nele em Lynchburg, na Virgínia, sede da Universidade Liberty, centro irradiador da ideologia conservadora batista. Romney é considerado um “mal menor” diante do presidente “muçulmano e socialista”. Aqui, valores morais e individualismo econômico se casam harmonicamente.

Mas há outro grupo de conservadores religiosos, de correntes evangélicas, que vivem a divisão dentro de si mesmos: suas preocupações sociais os aproximam de Obama, mas seus princípios morais os impedem de votar nele, principalmente por causa do aborto e do casamento entre homossexuais. Seu dilema reflete, em certo sentido, a polarização do país.

Em 2008, o Estado percorreu também 5 Estados em busca do perfil do eleitor americano. Encontrou “a América em movimento”, uma nova geografia política desenhada pela interiorização dos eleitores liberais das duas costas, que se mudaram para os Estados conservadores em busca de melhores salários, moradia e educação para os filhos mais baratas. Essa redistribuição favoreceu os democratas, no sistema americano de escolha indireta do presidente pelo voto dos delegados de cada Estado em um colégio eleitoral.

A crise estancou esse movimento. As posições dos americanos se cristalizaram. A América ficou dividida.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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