McCain faz aposta arriscada para ganhar eleitores pró e anti-Bush

Ao apresentar-se como candidato que une experiência e mudança, o republicano pode perder a identidade e a confiança dos dois grupos

SAINT-PAUL, EUA  – O Partido Republicano embarcou esta semana numa arriscada aposta. John McCain procurou apresentar-se aos eleitores, durante a convenção nacional do partido em Saint-Paul (Minneapolis), como a opção que combina experiência e mudança; liberalismo e conservadorismo social. A aposta: superar os dilemas que dividem o eleitorado americano em geral e republicano em particular. O risco: tornar-se um frankenstein, perder a identidade e, com ela, a confiança dos dois lados.

“McCain é bastante crível em seu papel de reformista”, afiança Larry Sabato, diretor do Centro para Política da Universidade da Virgínia. “Mas é muito difícil para um candidato do governo ser visto como agente de mudança”, ressalva o analista. “Pense nisso: ele tem de atrair metade de seus votos de eleitores que apóiam o presidente George Bush e a outra metade dos que se opõem a ele. Isso é muito difícil.”

Até a semana passada, McCain representava a experiência, em contraste com seu adversário democrata, Barack Obama, que simboliza a mudança. A fragilidade de Obama, senador de 47 anos em primeiro mandato, sem nenhum cargo executivo no currículo, é a sua falta de experiência para presidir o país. Ele procurou supri-la nomeando vice em sua chapa o senador Joe Biden, com 36 anos de casa. McCain, 72 anos, no Congresso há 26, buscou a mesma solução, de maneira ainda mais radical. Escolheu uma desconhecida governadora de 44 anos de um Estado recôndito. Embora surpreendente, foi uma escolha calculada.

Sarah Palin enfrentou o Partido Republicano, tanto local quanto nacional, em várias ocasiões. Essa característica de “republicana rebelde” acrescenta menos à chapa de McCain, ele próprio conhecido como uma “ovelha desgarrada”, do que outra qualidade: o seu conservadorismo social. Sarah se opõe ao aborto – ao contrário de McCain, para desgosto de muitos eleitores republicanos – não só com palavras, mas com atos: ela decidiu ter o seu quinto filho, agora com quatro meses, depois de saber que ele tinha síndrome de Down; e sua filha de 17 anos está grávida do namorado de 18 – que por sinal foi apresentado na convenção, junto com toda a família – e também terá a criança.

Sarah, cujo marido, um petroleiro no Alasca, recebeu US$ 49 mil no ano passado, considerado salário baixo para o padrão americano, assumiu também o papel de “americana comum” da chapa. Com sua mulher multimilionária, dona de um império de distribuição de cervejas, McCain tem dificuldade de se apresentar dessa maneira, ainda mais depois que não conseguiu responder à pergunta sobre quantas casas possuía – isso, no meio de uma crise em que muitos americanos estão tendo de entregar suas casas por não conseguirem arcar com o aumento das hipotecas. “Sou uma ‘hockey mom'”, repetiu Sarah ao longo da semana, usando uma expressão que designa as mães e donas-de-casa americanas.

Com esses ingredientes, a convenção republicana transformou a postulação à presidência numa fórmula química, em que cada composto tem uma função eleitoral. A dúvida é se o multifacetado eleitorado americano reagirá conforme a equação.

As eleitoras americanas não parecem particularmente atraídas pela entrada de Sarah na disputa – destinada, também, a canalizar os votos das “órfãs” da senadora Hillary Clinton, derrotada por Obama nas primárias democratas. Em seu primeiro discurso, quando foi anunciada por McCain, no dia 29, Sarah elogiou Hillary e lembrou os “18 milhões de rachaduras no teto de vidro”, com que a senadora democrata se referiu aos votos recebidos nas primárias: “As mulheres da América ainda não terminaram e podemos estilhaçar esse teto de vidro de uma vez por todas.”

Pesquisa feita pelo Instituto Rasmussen aponta que 57% das eleitoras votariam em Hillary e 35% em Sarah, numa hipotética disputa presidencial entre as duas. Em contrapartida, são os homens que parecem mais entusiasmados com Sarah, ex-miss Wasilla (a cidade de 7 mil habitantes da qual se tornaria depois prefeita) e assídua praticante de esportes: 49% votariam nela e 45%, em Hillary. Em geral, Hillary venceria por 52% a 41%.

A pesquisa não capta a migração de eleitoras de Hillary para Sarah, mas nem os republicanos contam tanto com isso. “Sarah Palin tem um forte apelo sobre as eleitoras que normalmente não votam”, aposta Ben Ginsberg, lobista e assessor da campanha republicana. “Não necessariamente as eleitoras de Hillary Clinton, mas as mães desgostosas com a política, as ‘hockey moms’ que não se vêem nos outros candidatos, e que têm tido baixa participação nas eleições”, explica Ginsberg. “Sarah Palin pode energizar uma nova base de eleitores.”

No decorrer da convenção, McCain neutralizou a diferença de cerca de 6 pontos porcentuais que o separava de Obama nas pesquisas, alcançando empate técnico. Segundo sondagem do Rasmussen, feita entre a terça e a quinta-feira, Obama seguia à frente de McCain, por 48% a 46%. Já pesquisa da CBS News, feita entre segunda e quarta-feira, deu 42% a ambos.

Os analistas concordam que convenções tendem a impulsionar campanhas. A questão é se o híbrido republicano será capaz de sustentar a disputa com a carismática dupla democrata.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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