O rearranjo global, sem Trump

DONALD TRUMP: presidente americano minimiza a mudança na temperatura no planeta se a emissão de gases do efeito estufa seguir no ritmo atual/ Kevin Lamarque/ Reuters

Como já havia acontecido com o comércio, a retirada de Donald Trump do Acordo do Clima de Paris isola agora os Estados Unidos também no meio ambiente, aproximando a China e a União Europeia. Embora esperado, o anúncio, feito na quinta-feira, causou enorme reação negativa, tanto no empresariado americano quanto na comunidade internacional. Com ele, Trump tenta reforçar o vínculo com o seu eleitorado, no momento em que seu prestígio é minado pelas investigações sobre as relações de seu governo com a Rússia.

Em seu rápido pronunciamento, no Jardim Rosado da Casa Branca, Trump demonstrou sua preocupação em recuperar a popularidade em queda: “Estou lutando todos os dias pelo grande povo deste país. Portanto, para cumprir meu solene dever de proteger a América e seus cidadãos, os EUA vão se retirar do Acordo do Clima de Paris (fez uma pausa para ouvir os aplausos e agradecer), mas começar negociações para reingressar no Acordo de Paris ou numa transação inteiramente nova em termos que sejam justos para os EUA e suas empresas, trabalhadores, seu povo, seus contribuintes”.

O presidente continuou: “Então estamos saindo e vamos ver se podemos fazer um acordo justo. Se pudermos, ótimo. Se não pudermos, tudo bem. Como presidente, não posso colocar em primeiro lugar nenhuma outra consideração que não o bem-estar dos cidadãos americanos”.

Entretanto, não há essa possibilidade de reabrir as negociações, de acordo com Christiana Figueres, a ex-funcionária da ONU que liderou o processo que levou ao acordo em dezembro de 2015, sob o governo de Barack Obama. Os 197 países que assinaram — somente Síria e Nicarágua ficaram de fora — só poderão manifestar seu desejo de se retirar em novembro de 2019, e a contar daí o procedimento leva um ano.

“Não se pode renegociar individualmente”, explicou Figueres ao jornal The New York Times.“É um acordo multilateral. Nenhum país pode mudar as condições unilateralmente.” Trump declarou na campanha que não gosta de arranjos multilaterais, que deixam os EUA de “mãos atadas”. O acordo prevê a redução da emissão de dióxido de carbono para manter a temperatura do planeta 1,5ºC acima do nível da era pré-industrial, por meio de iniciativas voluntárias das empresas. Essa temperatura já está 1ºC acima daqueles níveis. Trump afirma que isso fecharia empregos nos EUA. A estimativa mais alarmante nesse sentido é de um estudo encomendado pelo Conselho Americano para Formação de Capital, patrocinado pela indústria do petróleo. Ele afirma que o acordo reduziria o PIB americano em US$ 3 trilhões e eliminaria 6,5 milhões de empregos até 2040. Já a Fundação Heritage, também conservadora, falou na perda de 400 mil empregos e de US$ 2,5 trilhões. Em contrapartida, o Departamento de Energia afirma que 3 milhões de americanos trabalham no setor de energias limpas — no qual o governo Obama investiu. E a Agência Internacional de Energia Renovável estima que o acordo geraria US$ 19 trilhões em renda adicional para o mundo até 2050.

Trump criticou também o fato de que Obama se comprometeu a contribuir com US$ 3 bilhões com o Fundo do Clima Verde, enquanto países como China, Rússia e Índia não têm que pagar nada. De fato, o financiamento recai sobre os países mais ricos. Até março, os EUA haviam pagado US$ 500 milhões, mas a Suécia, por exemplo, com uma população menor, já contribuiu com US$ 581 milhões, segundo o site FactCheck.org.

O presidente pretende com o gesto contentar os setores do carvão e da siderurgia, que geram empregos no chamado Cinturão da Ferrugem, a região industrial em decadência no nordeste dos EUA. Mas a reação a seu pronunciamento foi variada na Bolsa de Nova York. As ações da Peabody Energy, a maior empresa de carvão, caíram 0,6% na quinta-feira, enquanto as da Arch Coal, a segunda maior, subiram 0,6%. Já os papéis da maior siderúrgica, Nucor, subiram 1,7%.

Depois do anúncio, Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, cumpriu a ameaça de deixar dois conselhos empresariais do presidente. “Mudança climática é real”, tuitou Musk, a anunciar sua saída. “Abandonar Paris não é bom para a América nem para o mundo.” Na véspera, ele havia tuitado: “Fiz tudo que posso para aconselhar diretamente o POTUS (presidente dos EUA), por meio de outros na Casa Branca e via conselhos, para ficarmos”.

A SpaceX tem contratos lucrativos com o governo americano, incluindo um de US$ 1,6 bilhão com a Nasa de suprimentos para a Estação Espacial Internacional e outro de US$ 82,7 milhões para lançar um satélite da Força Aérea no espaço em 2018, segundo o jornal The Washington Post. Por outro lado, a Tesla é uma empresa voltada para a redução de gases, com a fabricação de veículos e baterias elétricas.

Bob Iger, CEO da Disney, também renunciou, “por uma questão de princípio”, ao Fórum Estratégico e de Políticas, composto por 18 empresários, incluindo Musk. Outro que criticou a decisão de Trump foi o CEO da General Electric, Jeff Immelt: “A indústria deve agora liderar e não depender do governo”.

Outros gigantes como Walmart, Apple e General Motors também haviam pedido para Trump manter os EUA no acordo, argumentando, em uma carta assinada por 25 empresas, publicada nos jornais: “Ao expandir os mercados para tecnologias limpas inovadoras, o acordo gera empregos e crescimento econômico”.

Noutra carta no dia 9 de maio, Darren Woods, CEO da Exxon Mobil, uma das maiores indústrias do petróleo do mundo, ponderou que, permanecendo no acordo, os EUA teriam “um assento na mesa de negociação para assegurar que todas as fontes de energia sejam tratadas de forma equitativa num mercado global aberto, transparente e competitivo”.

Uma das reações mais contundentes foi a do site do Weather Channel. Seus 30 milhões de visitantes que acessam a página diariamente para saber a previsão do tempo foram surpreendidos por mensagens iradas contra a decisão de Trump, do tipo: “Então o que vai acontecer com a Terra agora?” O editor-chefe do canal, Neil Katz, reconheceu, diante das críticas à atitude do site: “Claramente a ciência se tornou politizada. Eu certamente preferiria que não fosse assim”.

À avalanche de advertências, Trump respondeu, simplesmente: “Fui eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh, não de Paris”. Não é o caso de Emmanuel Macron. O novo presidente francês, que na semana passada, durante a cúpula da Otan em Bruxelas, tentara dissuadir Trump de sair do acordo, dirigiu-se na quinta-feira, em inglês, aos americanos: “Esta noite, quero dizer aos Estados Unidos: a França e o mundo acreditam em vocês. Sei que vocês são uma grande nação. Conheço nossa história comum. A todos os cientistas, engenheiros, empresários, cidadãos responsáveis que estão decepcionados com a decisão do presidente dos EUA, quero dizer que vocês encontrarão na França um segundo lar”.

Depois de garantir que “a França não desistirá da luta”, Macron parafraseou o slogan de campanha de Trump, substituindo a América: “Faça o planeta grande de novo”.

Junto com a chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro italiano, Paolo Gentiloni, ele assinou um comunicado conjunto rejeitando a proposta de Trump de renegociar o acordo, reafirmando os compromissos financeiros e “encorajando nossos parceiros a apressar a ação para combater a mudança climática”.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, que enfrenta eleições no dia 8, telefonou para Trump para lamentar sua escolha. Outros governantes europeus não o pouparam. O primeiro-ministro belga, Charles Michel, chamou a decisão de “ato brutal”. Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda, disse que ela torna os EUA um “pária”.

Kai Sauer, embaixador da Finlândia na ONU, foi na mesma linha: “A humanidade está numa encruzilhada. Cento e noventa países indo num caminho, e os EUA, Síria e Nicarágua indo noutro? Parece um pouco estranho. Isso definitivamente muda a forma como vemos os EUA”.

O comissário da União Europeia para o Clima, Miguel Arias Cañete, disse que a atitude do presidente americano uniu os europeus, e que “esse vácuo será preenchido por uma nova liderança ampla e compromissada”. O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, afirmou que se trata de “uma grande decepção”, e que “continua confiante de que as cidades, Estados e empresas dos EUA continuarão a demonstrar visão e liderança trabalhando por um crescimento econômico resiliente de baixo carbono, que criará  empregos de qualidade e mercados para a prosperidade do século 21”.

O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, estava reunido em Berlim com a chanceler Angela Merkel, quando Trump fez o anúncio. “A China continuará a cumprir seus compromissos com o acordo de Paris”, declarou Li.

Merkel tem exercido liderança na questão climática desde 1992, quando teve um papel importante na aprovação do Protocolo de Kyoto. Os Estados Unidos, na época sob George Bush pai, ficaram de fora do acordo.

Na quarta-feira, ela tinha reafirmado o compromisso com o Acordo de Paris junto com o primeiro-ministro Narendra Modi, da Índia, que também tem trocado o carvão por fontes de energia mais limpas, numa mudança radical de posição: até dois anos atrás, o país considerava que submeter-se às metas de corte de emissão e abdicar do carvão retardaria o seu desenvolvimento e condenaria sua população à pobreza.

Em razão do vigoroso crescimento econômico, 7%, o mais alto entre as grandes economias do mundo, o consumo de carvão ainda deve aumentar na Índia, mas o governo indiano espera parar de construir usinas aquecidas com esse combustível dentro de dez anos. E, a partir de 2030, só fabricar automóveis elétricos.

Por causa de sua matriz energética baseada no carvão, a China é a maior poluidora do mundo, seguida dos EUA. Mas o país tem adotado medidas para reduzir as emissões, que vêm caindo desde 2013. O consumo de carvão diminuiu 1,3%, enquanto a China instala painéis solares capazes de cobrir três campos de futebol por hora, segundo o Greenpeace.

Merkel considerou a posição chinesa “encorajadora” e disse esperar uma cooperação entre a UE e a China nessa área. De Berlim, Li seguiu para Bruxelas, para participar na sexta-feira de uma reunião da União Europeia. Mas não conseguiu arrancar dos europeus a promessa de reconhecer a China como economia de mercado, que enfraqueceria algumas ações contra o país na Organização Mundial de Comércio e facilitaria investimentos chineses na Europa. De sua parte, a China resistiu a pressões para cortar o excedente em sua produção de aço.

A divulgação de um comunicado conjunto de 60 pontos atrasou duas horas, enquanto eles tentavam chegar a um acordo, informou a agência Reuters. No fim, desistiram e Li, ao lado dos dirigentes do Conselho Europeu, Donald Tusk, e da UE, Jean-Claude Juncker, limitaram-se a fazer uma declaração lado a lado, criticando Trump.

“Estamos convencidos de que a decisão de ontem (quinta-feira) dos EUA é um grande erro”, disse Tusk. “A luta contra a mudança do clima, e toda a pesquisa, inovação e progresso tecnológico que ela trará, continuará, com ou sem os EUA.” Eles se comprometeram, na reunião, a reduzir o uso de combustíveis fósseis, desenvolver mais tecnologia verde e levantar recursos para ajudar os países pobres a cortar suas emissões.

Em nota conjunta, os ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente do Brasil manifestaram “profunda preocupação e decepção” com o anúncio de Trump. “O combate à mudança do clima é processo irreversível, inadiável e compatível com o crescimento econômico, em que se vislumbram oportunidades para promover o desenvolvimento sustentável e para novos ganhos em setores de vanguarda tecnológica”, afirma a nota.

O Brasil se comprometeu a reduzir 37% de suas emissões até 2025 e 43% até 2030, com base nos valores de 2005, informou o Estadão. Para isso, pretende zerar o desmatamento ilegal da Amazônia, que parecia sob controle quando o governo anunciou seus planos, mas voltou a crescer nos últimos dois anos. Por piores que sejam suas posições, Trump, pelo menos, é sincero.

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