Os forasteiros invadem Washington

 

ZACH HART, ELETRICISTA DE 26 ANOS: “trazer os empregos de volta seria ótimo. Nada mais é produzido na América.”/ Lourival Sant`Anna

Lourival Sant’Anna, de Washington

“Estamos transferindo o poder de Washington e devolvendo-o para vocês, o povo.” O discurso de posse de Donald Trump fez um enorme sentido para muitos americanos que vieram de todos os cantos do país para celebrar sua chegada ao poder. Enquanto muitos moradores de Washington deixaram a cidade, fecharam-se em casa ou mesmo saíram para protestar contra o presidente eleito, esses “forasteiros” de uma certa forma “tomaram” as ruas da capital, com a sensação de estarem retomando as rédeas de seu país.

O funileiro Edward Bock, 45 anos, Leigh Valley, Pensilvânia, não é muito falante, mas resumiu em poucas palavras um sentimento bastante subjetivo que impulsionou em grande medida a eleição de Trump: “Espero que ele faça a América melhor, como prometeu, que volte a ser como era quando eu era criança”. À pergunta sobre de quais mudanças ele não gosta em seu país, Bock, que viajou quatro horas, trazendo sua moto em um caminhão, com um grupo de motociclistas, exemplificou: “Veja os protestos que estão acontecendo aqui. Ele é nosso presidente, goste dele ou não. Você não deve protestar, mas apoiá-lo. Acho que estamos numa péssima situação agora. Precisamos ir noutra direção”.

Ao redor, manifestantes gritavam palavras de ordem contra Trump: “Hey, hey, ho, ho! Donald Trump has to go!” (“Donald Trump precisa ir embora”). Na escadaria oeste do Capitólio, a sede do Congresso, Trump discursava, para milhares de pessoas, sob um frio de oito graus centígrados e uma chuva fina: “Washington prosperou, mas o país, não. Os políticos prosperaram, mas as vagas de empregos se fecharam. As vitórias deles não foram suas vitórias. Enquanto eles celebravam na nossa capital, havia pouco para celebrar para nossas famílias em todo o país”.

Sua mensagem ressoava fortemente no pedreiro Ski Bischol, de 53 anos, que veio de Allentonn, Pensilvânia, a 320 km de Washington, trazendo sua Harley-Davidson com três bandeiras americanas num rebocador. “Gosto de Trump porque é um homem de negócios, não um político”, explicou Bischol. “O que ele fala, ele faz. Votei nos democratas por 34 anos, e as coisas voltaram atrás nos últimos oito anos. E eu que pensei que Bush tinha sido ruim. Obama foi pior ainda”.

O pedreiro enumerou o que espera do novo presidente: “Quero que a economia volte a funcionar, e que haja mais empregos, segurança, estabilidade, que as empresas fiquem na América. As empresas não podem continuar indo embora e dizendo que seus produtos são feitos na América. Não são. São feitos em países estrangeiros e apenas vendidos aqui. Nossas famílias dependiam do dinheiro delas, e agora as estão matando”.

Com uma bandeira americana na mão e um boné com o lema de Trump, “Tornar a América grande de novo”, o eletricista Zach Hart, de 26 anos, reclamou, usando praticamente as mesmas palavras do novo presidente: “Nossa economia está um lixo. Trazer os empregos de volta seria ótimo. Nada mais é produzido na América”. E acrescentou: “Também estou cansado desse mundo da politicalha. O fato de Trump estar esmagando isso é tão bom! Se isso for a única coisa que ele fizer em toda a presidência dele, eu já ficarei feliz”. Assim como Bischol, Hart não é republicano: “Votei em Obama e meio que me arrependo agora, depois de oito anos disso”.

Mas não havia apenas “red necks” (pescoços vermelhos), como são chamados os trabalhadores brancos americanos sem ensino superior, que constituem a base do eleitorado de Trump. A enfermeira filipina Ellen Lesher, de 60 anos, que mora nos EUA há 20, veio com seu marido americano de Fredericksburg, Virgínia, a 80 km de Washington, prestigiar a posse de Trump. “Acho que ele é para todos os americanos”, disse Ellen, saindo do Mall, onde milhares de pessoas o assistiram prestar juramento. “Eu sei que dizem isso e aquilo sobre ele, mas não sinto que ele seja assim. Espero que com ele os Estados Unidos voltem a ser um lugar onde as pessoas possam ter sucesso e os sonhos se tornem realidade. Os últimos oito anos foram deprimentes.”

A enfermeira deu sua interpretação da visão de Trump a respeito dos imigrantes e das minorias: “Espero que ele garanta mais direitos para todos, independentemente da cor: amarela, negra ou branca. Eu estou no meio, sou marrom. Não acho que ele seja contra os imigrantes legais. Sou contra pularem a fila do visto. Tenho muitos parentes vivendo aqui, e todos conseguiram se legalizar. Acho que ele quer fechar as portas para os ilegais. Quer que as pessoas entrem na fila e façam toda a documentação”.

Essa é uma explicação frequente dada pelos imigrantes que votaram em Trump: a de que deram duro para seguir todos os trâmites, e não acham justo que outros estrangeiros queiram ficar no país ilegalmente.

“Acho que a abordagem dele é muito positiva, que ele é um grande orador e líder, que sabe fazer as coisas acontecerem”, justificou seu marido, o americano Craig Lesher, de 62 anos, fuzileiro naval aposentado e que trabalha como “life coach”, dando conselhos para ajudar as pessoas a atingirem seus objetivos. “Desde o começo ele conquistou meu apoio”, completou Craig, que é republicano. Trump derrotou nas primárias 16 dos mais importantes líderes do partido.

Do outro lado do Mall (e do espectro político), a estudante de psicologia Kay Haekkis, de 24 anos, que mora em Washington, carregava uma faixa dizendo “Trump sucks”, algo como “Trump enche o saco”. “Há muitas razões pelas quais acho que Trump não é bom, mas minha razão principal é que ele não ganhou a eleição”, disse a estudante, referindo-se ao fato de que Hillary Clinton o derrotou no voto popular. “O colégio eleitoral deveria ser eliminado do sistema, porque Hillary venceu. Outro motivo é que ele disse muitas coisas durante a campanha pelas quais ele nunca deveria ter vencido.”

O consultor de empresas John Robinson, de 63 anos, veio com seu filho Sam, de 14, de Williamsburg, Virgínia, a 240 km da capital. Ambos seguravam cartazes fazendo referência à interferência da Rússia, acusada de estar por trás do vazamento de emails da equipe de Hillary, e também ao diretor do FBI, James Comey, que reabriu as investigações contra a candidata democrata um semana antes da eleição.

“(O presidente russo, Vladimir) Putin inclui Trump em sua estratégia de mudar sua relação com os EUA e ele tem uma má reputação”, disse Robinson. “O diretor do FBI e os emails de Putin junto com a cobertura dócil da imprensa americana foram um crime contra a democracia. A imprensa precisa ter mais coragem. Se o tivesse questionado no começo, em vez de deixá-lo correr solto, não estaríamos nessa situação.” Perguntei o que Robinson teria perguntado a Trump na entrevista coletiva do dia 11 em Nova York. “Se ele pretende pedir desculpas às pessoas que insultou”, respondeu o consultor. “Ele feriu muitas pessoas, feriu uma nação.”

O discurso de posse de Trump foi uma oportunidade única do presidente para falar a seu público, que veio de outras partes do país recebê-lo em Washington. Depois de usar uma linguagem considerada por muitos ofensiva contra a cidade, com expressões — e hashtags — do tipo “drenar o pântano”, ele conviverá com uma população que não gosta e não votou nele. Hillary teve 91% dos votos na capital; Trump, 4%. Mas o novo presidente americano não parece ter medo do confronto. Ao contrário. Parece alimentar-se dele.

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