Segundo moradores, estudantes tinham rixa com prefeito

A briga começou depois que Abarca foi acusado de mandar matar três líderes de esquerda

IGUALA, México – Um dos muitos aspectos intrigantes do massacre de Iguala é o que estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, de Ayotzinapa, a cerca de 250 km de distância, foram fazer na cidade. Moradores de Iguala, que pediram para não ser identificados, contaram que os estudantes frequentavam a região havia pelo menos um ano e meio, quando vieram depredar o prédio da prefeitura, depois que o prefeito José Luis Abarca foi acusado de mandar torturar e matar três líderes da organização de esquerda Unidade Popular, no dia 30 de maio de 2013. Antes de sua morte, esses ativistas, que lutavam pelos direitos dos camponeses, haviam tido conflitos com o prefeito.

Para ser aluno das escolas de formação de professores rurais, é preciso comprovar renda muito baixa, e provir de uma família de camponeses. Essas escolas em tempo integral se transformaram em redutos de organizações de esquerda. Os estudantes bloqueiam estradas para exigir dinheiro dos motoristas, saqueiam pedágios e empresas privadas. Na época do massacre, estavam em campanha de arrecadação de fundos para realizar uma marcha no dia 2 de outubro, aniversário do massacre de Tlatelolco, em 1968, resultado da repressão policial contra manifestantes.

Conhecido por seus detratores como “narco-prefeito”, Abarca personifica, para esses movimentos sociais, a decadência da democracia mexicana, que permitiu a ascensão política e econômica do crime organizado. Seu rápido enriquecimento desde que se tornou prefeito, em 2012, é considerado um sinal de suas alianças obscuras. Ele é dono de meia Iguala, incluindo uma galeria, um centro comercial de joalherias, farmácias, pizzarias e uma universidade, administrada por sua irmã, Rosalía.

Além disso, a cidade, cujo nome completo é Iguala da Independência, tem um simbolismo para quem almeja dar início a uma revolução. Aqui foi elaborado em 1821 o Plano de Iguala, que estabelecia a independência do México em relação à Espanha, formou-se o Exército Trigarante e criou-se a bandeira mexicana.

O massacre serviu de combustível para movimentos revolucionários de todo o país, mas principalmente dos Estados do México (onde fica a capital) e de Guerrero, que reúnem estudantes de escolas técnicas, professores e alunos de universidades públicas. Eles contestam a democracia representativa, a economia de livre mercado e até a existência de um Estado central.

“Eles vieram esculhambar com a festa, manchar o evento, mas não pensaram que a senhora (a primeira-dama) reagiria dessa forma”, observa um comerciante da Rua Álvarez. “Já sabíamos onde vivem, a que se dedicam, o dinheiro que giram”, continuou o comerciante, referindo-se aos traficantes e aos políticos locais ligados a eles. “Sai à luz internacional algo que no México já se sabe. Para chegar a esse nível de poder econômico e político, leva muitos anos.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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