Sai Menem, entra De la Rúa e a crise continua

A substituição do orgulhoso Menem pelo austero De la Rúa parecia o fim de um ciclo

 BUENOS AIRES – Admirava-se vaidosamente diante do espelho e se julgava esplêndido, com um terno cinza-celeste, camisa escura e gravata Versace de cores fortes, do mesmo tecido do lenço que despontava do bolso superior esquerdo. Exalava sândalo e ervas de sais de banho. Respirava fundo, esticava o paletó e voltava a fitar-se de outro ângulo, completamente extasiado consigo mesmo.

“Carlos, vai gastar o espelho, deixa-o em paz, que ele já o conhece”, brincou Ramón Hernández, secretário privado do presidente. “Nunca se chega a conhecer um rei”, respondeu Menem. “Mas, quem você pensa que é? Está louco?”, perguntou o secretário. “‘Io” sou o Rei Sol e estou na História da França”, explicou o presidente, que por esses dias de 1994 lia a biografia de Luís 14.

Essa passagem hilária do livro Menem – A Vida Privada, da jornalista Olga Wornat, que como ninguém penetrou na intimidade do presidente e de sua família, ilustra a curiosa mescla de onipotência e frivolidade que dominou a chamada Era Menem. Com sua megalomania, o diminuto ex-presidente, que construiu uma pista de pouso maior que a do aeroporto de Buenos Aires em sua cidade natal Anillaco, e gostava de jogar basquetebol, o esporte em que estatura não é vantagem, mas condição de possibilidade, representava bem um país que se considerava maior e melhor do que efetivamente era.

Ao eleger Fernando de la Rúa, em 1999, os argentinos – “maníaco-depressivos”, na definição do consultor Manuel Mora y Araujo – pareciam buscar a antítese de Menem, como quem adota dieta de sopa para curar-se de um porre. Comedido, austero e honesto, De la Rúa é a imagem do estadista, respeitoso das instituições: tudo o que Menem não é. Sua ascensão parecia dar início a um novo ciclo na política argentina.

Dois anos depois, De la Rúa é ridicularizado por sua falta de autoridade e de brilho. Curada a ressaca, será que os argentinos sofrem de crise de abstinência? A consultora de opinião pública Graciela Coatz-Römer acha que não. Para ela, da mesma maneira que Menem passou a ser hostilizado como corrupto só depois que a euforia do crescimento econômico deu lugar à estagnação, a antipatia com De la Rúa tem origem não na sua maneira de ser, mas no fato de ele não ter cumprido as promessas de campanha de combinar a estabilidade econômica com concessões na área social e avanços na esfera institucional. 

 

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