Candidato cocaleiro prega reestatização total

Falando ao ‘Estado’, Morales também defende suspensão da exportação de gás para o Brasil

 

LA PAZ — O líder dos plantadores de coca Evo Morales, candidato a presidente nas eleições de domingo, defendeu ontem a reestatização de todas as empresas privatizadas na Bolívia e a suspensão das exportações de gás para o Brasil. Em entrevista ao Estado, em sua pequena sede de campanha no centro de La Paz, Morales se declarou admirador de Luiz Inácio Lula da Silva, que conheceu no Fórum Social de Porto Alegre, no ano passado. E disse que as idéias de seu Movimento ao Socialismo (MAS) se alinham com as do Partido dos Trabalhadores, “a maior força política do Brasil”.

“O clamor do povo é o de que o gás deve voltar para os bolivianos”, afirmou Morales, quarto colocado nas pesquisas de intenção de voto, com 12%, segundo o Instituto Mori, e que vem subindo rapidamente. “Antes que as transnacionais explorem nosso gás, vamos nacionalizá-lo e fornecê-lo aos bolivianos que não o têm em suas casas. Só depois, vamos exportar o excedente.” A Petrobrás investiu US$ 361 milhões no gasoduto Bolívia-Brasil, importou US$ 30 milhões em gás no ano passado e prevê importar US$ 300 milhões anuais até 2007.

Morales defendeu também um incremento na produção da folha de coca, não para o narcotráfico, mas para produzir medicamentos, cosméticos e até alimentos. Segundo o líder cocaleiro, farinha de coca tem sido usada no Peru para alimentar crianças desnutridas e o xarope da folha é “excelente para a tosse”. Morales disse também que um líquido chamado cocasted, extraído da folha, é muito bom para a “queima de gorduras”. Uns “americanos obesos” já se interessaram pelo produto.

Além disso, o candidato à presidência, que ostenta um abundante cabelo negro, disse que tem usado xampu de coca, ótimo para a queda de cabelo. E que na região do Chapare, predominantemente indígena, de onde ele é originário, as pessoas que usam creme dental à base de coca têm dentes brancos e não são banguelas.

“Nunca vai haver coca zero, isso é para enganar a comunidade internacional”, declarou Morales. Eleito deputado em 1997, ele teve o mandato cassado em janeiro deste ano, sob acusação de promover o narcotráfico. “Esses programas de erradicação do cultivo são um negócio para dar dinheiro aos partidos que estão no governo.”

Depois da entrevista, no fim da tarde, Morales seguiu para o Hotel Europa, onde se encontrou com a missão de 14 observadores do Instituto Interamericano de Direitos Humanos e 9 do Parlamento Andino, que vieram monitorar as eleições para a presidência e o Congresso, que se realiza no domingo. O candidato denunciou a “ingerência” do embaixador americano em La Paz, Miguel Rocha, que disse que se Morales for eleito os Estados Unidos cortarão a ajuda econômica à Bolívia.

A missão de observadores tem sido ponto de peregrinação dos candidatos, que reclamam da “guerra suja” na campanha eleitoral. No início da tarde, quatro dos principais assessores do ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-93), terceiro colocado nas pesquisas, com 13%, segundo o Mori, foram reclamar da divulgação de sondagens tendenciosas. Já a equipe de outro ex-presidente, Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-97), segundo colocado, com 17%, foi alertar para possíveis irregularidades e pedir que haja contagem paralela dos votos.

Sánchez de Losada é acusado de enriquecimento ilícito no processo de privatização, incluindo negócios com empresas brasileiras. Mas o maior alvo de acusações é o primeiro colocado, o capitão da reserva Manfred Reyes, que tem 20% das intenções de voto, e vem caindo. Além de também sofrer denúncias de enriquecimento ilícito, Reyes foi acusado de ser membro da seita do Reverendo Moon, o que, num país profundamente católico, é bastante comprometedor. Egresso da Escola das Américas, que formou militares latino-americanos na doutrina da segurança nacional, Reyes é acusado ainda de envolvimento na repressão, durante os governos militares do início dos anos 80.

Para neutralizar os golpes em sua imagem, o candidato apareceu em seu programa de TV ao lado de uma cruz, declarando-se “católico, simples, trabalhador e honesto”. E foi visitar o cardeal Julio Terrazas, arcebispo de Santa Cruz, depois que um bispo da cidade, a segunda maior do país, declarou, na homilia de domingo, que “é preciso votar em pessoas que não tenham alianças duvidosas, que não se apoiem em coisas ocultas”.

 

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