Dinheiro da privatização tenta candidatos

Bolívia arrecadou US$ 1,6 bilhão e o futuro presidente deve decidir o que fazer com o dinheiro

LA PAZ — A Bolívia tem um problema bom: o que fazer com US$ 1,6 bilhão. Esse dinheiro, que representa 20% do Produto Interno Bruto (PIB), foi arrecadado nas privatizações da década passada, que abrangeram todos os serviços públicos. Pela lei de 1996 que aprovou as privatizações, metade do dinheiro obtido com as vendas das estatais foi destinada a fundos de capitalização, nos quais os 8 milhões de cidadãos bolivianos têm igual participação.

Os governos de Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-97) e de Hugo Bánzer, morto no ano passado e substituído por seu vice, Jorge Quiroga, não tocaram nesse dinheiro. Sua destinação deverá ser definida pelo governo eleito hoje. E não faltam idéias. Com a percepção generalizada de que o país está empobrecido e com a economia semiparalisada, os candidatos olham com avidez para esse patrimônio, gerido por Administradoras de Fundos Privados (AFPs).

Os indicadores macroeconômicos da Bolívia estão longe de serem tenebrosos. A inflação, que bateu em 25.000% em 1985, quando começaram as reformas para reduzir o papel do Estado e conter os gastos públicos, tem-se mantido sob controle, registrando 0,92% no ano passado, mesmo com uma desvalorização de 6,82% do boliviano frente ao dólar. A economia cresceu 2,40% em 2000 e 1,23% em 2001, ano que não foi bom para ninguém.

Acontece que os bolivianos se habituaram a taxas de crescimento de 5%, como as registradas em 1997 e 1998. O índice de desemprego de 9,4%, do ano passado, embora menor do que os de muitos países da região, é o dobro do daqueles anos.

A desaceleração da economia e a queda no padrão de vida estão vinculadas à erradicação do cultivo de coca. Segundo diferentes cálculos, o narcotráfico injetava anualmente na economia de US$ 400 milhões a US$ 800 milhões, ou de 5% a 10% do PIB. Dos 40 mil hectares de coca plantada na região do Chapare, restaram 2 mil. Na região de Yungas, há 14 mil hectares, dos quais 12 mil são legais, destinados ao consumo tradicional dos índios.

O governo americano deu à Bolívia dez anos para erradicar a coca. O general da reserva Hugo Bánzer e seu sucessor, Jorge Quiroga, o fizeram em menos de cinco. E não indenizaram os camponeses pela perda de renda, como previa a Constituição.

“O governo boliviano presenteou os Estados Unidos com a erradicação”, critica Guillermo Bedregal, ministro do Planejamento de Víctor Paz Estenssoro (1985-89) e assessor de assuntos internacionais de Sánchez de Lozada. Bedregal e outros opositores acham que os Estados Unidos e a União Européia, beneficiados pelo corte no fluxo de drogas, deveriam ter contribuído, indenizando os plantadores. Há projetos de substituição de cultivo, com ajuda americana, mas são considerados insuficientes.

A história da Bolívia é marcada por três ciclos econômicos: o da prata, o do estanho e o da coca. O próximo ciclo deverá ser o do gás. Mas o ciclo da coca foi abruptamente interrompido, sem que o do gás tivesse começado efetivamente. É nesse vácuo que a economia boliviana parece estagnada, num país cuja pobreza crônica só poderá ser superada por um crescimento médio anual de 6% durante seis décadas, segundo cálculos apresentados por Manfred Reyes.

Os quatro principais candidatos — Reyes, Sánchez de Lozada, Jaime Paz Zamora e Evo Morales — acreditam que o Estado deva impulsionar esse crescimento. Daí os projetos de grandes obras de Sánchez e de Paz Zamora, e de renacionalização de Reyes e Morales. Com que dinheiro? Com os fundos de capitalização. Como esse US$ 1,6 bilhão não deve dar para tudo o que os candidatos pretendem fazer, o já astronômico déficit fiscal boliviano — 6,5% em 2001 — tende a explodir, ameaçando a estabilidade monetária conseguida a duras penas.

O único candidato que foge a essa linha é Ronald MacLean, da Ação Democrática Nacionalista (ADN), de Bánzer e Quiroga. MacLean, formado em economia na Universidade de Maryland e com pós-graduação em políticas públicas em Harvard, defende a distribuição do recurso em ações para todos os bolivianos maiores de idade. O governo garantiria um valor mínimo de US$ 500 por lote de ações para quem empregasse o dinheiro em casa própria, educação, microempresa, cooperativa ou pagamento de dívidas.

“Seria um forte incentivo ao investimento privado e não estatal”, diz MacLean, em quinto lugar nas pesquisas. “Esta eleição não é nossa”, confessou ele ao Estado. “É dos populistas.”


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