Lozada negocia para eleger-se no Congresso

Ex-presidente foi o mais votado, mas terá dificuldades de governabilidade

 

LA PAZ – Depois de travarem o que eles mesmos chamaram de uma “guerra suja” durante a campanha eleitoral, três dos quatro principais candidatos presidenciais e respectivos partidos estudavam ontem as possibilidades de negociar a formação de um governo.

O Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-97) foi o mais bem votado, mas não o suficiente para ter sua presidência referendada no Congresso e, sobretudo, para assegurar a chamada “governabilidade”.

O candidato a vice de Sánchez de Lozada, o jornalista Carlos Mesa, encabeça as negociações pelo MNR. O segundo colocado na eleição presidencial de domingo, o ex-prefeito de Cochabamba Manfred Reyes Villa, conduzirá os contatos pela sua Nova Força Republicana (NFR). O Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), do ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-93), não confirma nem desmente as negociações.

Mas os primeiros contatos eram feitos ontem pelo empresário Samuel Doria Medina, um velho militante do MIR e amigo de Paz Zamora, tendo ajudado o ex-presidente a obter visto, em 2000, para os Estados Unidos, onde era persona non grata por sua militância “antiimperialista”.

De acordo com diferentes projeções sobre os votos escrutinados, o MNR teve em torno de 22% dos votos válidos e a NFR, 20,5%. O Movimento ao Socialismo (MAS), do líder cocaleiro Evo Morales, o grande fenômeno dessas eleições (ler abaixo), veio em terceiro, com 18% aproximadamente, e o MIR teve um pouco menos de 16%. Os outros sete concorrentes seguem bem abaixo.

Morales, expulso da Câmara dos Deputados em janeiro, por causa de sua defesa dos cultivos de coca, reiterou ontem que não fará aliança alguma. Também era pouco provável que alguém quisesse aliar-se a ele, observa o analista político Carlos Toranzo.

Complicação – Como nenhum candidato obteve mais da metade dos votos válidos, o Congresso, também eleito ontem, deve escolher o presidente entre os dois primeiros colocados. Para que o Senado, com 27 cadeiras, e a Câmara dos Deputados, com 130, se reúnam e votem conjuntamente, como prevê a lei, cada Casa precisa alcançar quorum de mais de 50%.

E aqui começa a complicação. O MNR elegeu de 11 a 12 senadores, segundo diferentes projeções; a NFR, de 2 a 4; o MAS, de 6 a 7; o MIR, de 4 a 6; e a Ação Democrática Nacionalista (ADN), do ex-prefeito de La Paz Ronald MacLean, e do atual presidente Jorge Quiroga, de 2 a 0.

Juntos, NFR, MIR e ADN ficam abaixo do MNR em número de senadores.

Já o MNR não consegue, sozinho, formar quórum para reunir o Senado. O que não impede a confirmação de Sánchez de Lozada – que ontem fez 72 anos – , porque, se o Congresso não se decidir até a posse, dia 6 de agosto, o mais votado assume. A situação na Câmara é semelhante, e os deputados tendem a seguir a mesma orientação partidária que os senadores. A questão não é tanto a escolha do presidente, mas suas condições de governar, principalmente com a presença do MAS no Congresso, onde pode se tornar uma força desestabilizadora, ao lado de outros partidos menores.

É nesse contexto que o MNR buscava ontem contato com a NFR e o MIR, partidos favoráveis ao sistema político, que, por sua vez, mostravam-se relativamente receptivos, diante da ameaça dos chamados “anti-sistêmicos”. O porta-voz da NFR, Víctor Gutierrez, e o vice do MNR, Carlos Mesa, empregaram as mesmas palavras-chave ontem, ao se referirem às negociações: “estabilidade” e “mudança”.

A aproximação mais penosa será entre o MNR e o MIR. Sánchez de Lozada, do MNR, que venceu as três eleições presidenciais a que concorreu, não foi referendado presidente pelo Congresso por causa do apoio de última hora oferecido pelo ex-ditador Hugo Bánzer a Paz Zamora, que ficara em terceiro lugar em 1989. Em 1997, Paz Zamora retribuiu, apoiando Bánzer, derrotado por Sánchez de Lozada, mas referendado pelo Congresso. O mais irônico é que Paz Zamora fundara o MIR para combater a ditadura de Bánzer (1971-78).

Resta saber o que essas histórias ensinam sobre a política boliviana: que o MNR e o MIR são irreconciliáveis ou que, como costumam dizer os analistas locais, “aqui, tudo é possível”. 


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