Morales: mandato forte e equipe fraca

Com exceção dos ministros da Fazenda e de Hidrocarbonetos, os outros são, em sua maioria, militantes de movimentos sociais

 

LA PAZ – Quando deu posse a seus ministros, na segunda-feira, Evo Morales prometeu ao país muito trabalho. Ninguém pode dizer que ele não está cumprindo a promessa. Morales tem chegado às 5h da madrugada ao Palácio Quemado, a sede do governo, no centro de La Paz. E fica até 21h, 22h. Na quinta-feira, ele presidiu a primeira reunião de trabalho de seu gabinete – marcada para as 6h. O ritmo do presidente mudou os hábitos no palácio – novos turnos foram criados para a guarda presidencial, e os funcionários estão chegando agora às 7h30, em vez de 9h.

Não contente, Morales pediu ao vice-presidente e aos presidentes da Câmara e do Senado, todos de seu partido, que fossem morar com ele na residência oficial de San Jorge, moderno complexo que ocupa um quarteirão no bairro de classe alta do sul de La Paz. Assim, quando não estão enfiados no palácio, podem trocar idéias sobre o governo e os projetos de lei, em vez de se ocuparem com futilidades, como, por exemplo, dormir.

A Bolívia tem um presidente de 46 anos, saudável e workaholic. A pergunta é: toda essa energia e dedicação levará a algum lugar? Morales assume com uma vantagem sem precedentes na tumultuada história recente da Bolívia: seu mandato é inequívoco, guindado por uma votação de 54% que o elegeu no primeiro turno, sem necessidade de o Colégio eleitoral referendá-lo. Sua popularidade, depois da eleição, supera os 60%. E, mais importante ainda, seu partido, o Movimento ao Socialismo, goza de maioria absoluta na Câmara e no Senado.

A sombra recai sobre a qualidade de seu gabinete e sobre o conteúdo errático e populista de suas propostas. É bem verdade que Morales não correu riscos ao nomear os responsáveis por duas áreas vitais: a economia e os combustíveis (que a sustentam), nisso lembrando seu amigo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O novo ministro da Fazenda, Luis Arce, é funcionário de carreira do Banco Central e professor de economia na Universidade Católica Boliviana (UCB). A escolha foi bem vista. “Creio que o governo será prudente e manterá a estabilidade macroeconômica”, diz o economista Gonzalo Chávez, também professor na UCB. “A estabilidade é um patrimônio nacional, depois da hiperinflação de meados dos anos 80.”

Os indicadores bolivianos são bons, apesar das turbulências políticas por que tem passado o país, que está no seu terceiro presidente em três anos e meio: 4,51% de inflação nos últimos 12 meses, déficit público de 1,5% em 2005, exportações de US$ 2,7 bilhões (24% mais que em 2004) e reservas de US$ 1,7 bilhão, expressivas para um Produto Interno Bruto de US$ 8 bilhões.

O Banco Central é independente e há salvaguardas contra ataques populistas ao Tesouro, ao estilo da Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira. Chávez tem uma inquietude, no entanto: “A questão é saber se haverá demasiadas pressões sociais por distribuição de renda, e se o Fisco resistirá a elas.”

O novo ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, tem fortes pendores nacionalistas, e criticou no passado a atuação de empresas estrangeiras como a Petrobrás, mas, pelo menos, é um conhecedor. Advogado de formação e jornalista, Soliz tem-se dedicado ao tema nos últimos anos. E o novo presidente da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) é engenheiro de petróleo. Ambos têm exercitado moderação depois da posse, e falado em negociar com as companhias os novos contratos de exploração do gás, assim como a eventual renacionalização das duas refinarias em poder da Petrobrás.

Aqui terminam as boas notícias. A maioria dos outros ministros é de um despreparo alarmante, concordam os observadores. Sem curso superior, sem experiência em suas respectivas áreas, são predominantemente militantes sociais, que se dedicaram, nos últimos anos, a promover bloqueios de estradas e manifestações estridentes, que, em última análise, levaram à queda dos dois últimos presidentes e à ascensão de Morales ao poder. É natural que o presidente seja grato a eles, mas é difícil apostar nessas credenciais como garantia de sucesso gerencial.

E há, claro, a sensibilidade às pressões dos movimentos sociais, cujos líderes peregrinaram pelos gabinetes dos novos ministros, nessa primeira semana de trabalho. Ecoando suas velhas conexões e predileções ideológicas, Morales anunciou, como uma de suas primeiras medidas de governo, um programa de erradicação do analfabetismo que terá pedagogia e professores cubanos (24) e financiamento venezuelano (US$ 1,5 milhão).

Quando percorreu três continentes com sua indefectível malha listrada, entre eleição e posse, Morales viajava num avião emprestado por seu outro amigo, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que ofereceu trocar petróleo por soja, inspirado no escambo do óleo por açúcar cubano.

 

Essa é a química do novo governo boliviano: de um lado, legitimidade, popularidade e um Parlamento dócil; de outro, velhos compromissos de militância e velhas alianças internacionais. Ninguém se arrisca a prognosticar o resultado disso.

 

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