‘Nem sempre se consegue o que se quer’

Cansados, camponeses, mineiros e estudantes preparam viagem de volta e lamentam ‘negociatas’

 

LA PAZ – A euforia da véspera, com a renúncia de Gonzalo Sánchez de Lozada, deu lugar a um clima de sobriedade e até de introspecção entre os manifestantes em La Paz. Enquanto a cidade renascia, com o comércio abrindo e os carros voltando a circular, depois de uma semana de paralisia, isolamento e distúrbios violentos, os mineiros, camponeses e estudantes que vieram de longe para exigir a saída do presidente avaliavam o seu triunfo e se preparavam para a viagem de volta.

“Estamos cansados”, resumiu Limber Arroyo Martins, 25 anos, que caminhou, com cerca de 1.500 estudantes, a maior parte dos 235 quilômetros que separam La Paz da cidade de Oruro. “Nem sempre a gente consegue o que quer”, continuou, relativizando a vitória. “Afinal, mudou a personagem, não a estrutura de poder”, completou Limber, estudante de direito da Universidade Técnica de Oruro.

“Queremos uma democracia mais direta, com participação popular, precisamos de uma Assembléia Constituinte para dar mais transparência à política”, explicou o estudante. É uma formulação teórica, mas exprime um desejo que embalou os cerca de 200 mil manifestantes que se reuniram em La Paz na quinta e sexta-feira. A maioria dos bolivianos acha que as decisões do governo têm sido fruto de negociatas escusas.

“Estou muito tranqüila, só triste pelos nossos mortos”, lamentou Epifania Ancari Vilca, de 53 anos, que trabalha na mina de estanho de Guanuni, na região de Oruro, e também veio caminhando junto com 2.500 mineiros. O grupo foi contido pelas forças de segurança na quarta-feira em Patacamaya, 100 quilômetros a sudeste de La Paz. No confronto, dois mineiros morreram e 14 pessoas ficaram feridas. “Nos atacaram quando estávamos almoçando”, testemunha Epifania.

“Estamos com a moral baixa, por causa da baixa de nossos companheiros”, confirmou o mineiro Leonard Fábrica, em linguagem mais militante. O grupo saiu da região de Oruro na terça-feira e só conseguiu chegar a La Paz na noite de sexta, por causa do confronto e dos bloqueios do Exército – e dos próprios manifestantes – nas estradas.

Os manifestantes formavam ontem pequenas aglomerações em La Paz, decidindo, em assembléias, como e quando voltariam para suas cidades. O presidente Carlos Mesa subiu até El Alto, a 15 quilômetros de La Paz, ponto nevrálgico das manifestações, para render homenagem aos mortos.

A estrada principal até El Alto, onde fica o aeroporto de La Paz, estava sendo desbloqueada ontem, com a retirada das barricadas de pedras e de dois vagões de um trem atingido por uma explosão na quarta-feira. Os vôos comerciais para La Paz, interrompidos havia uma semana, estavam sendo retomados ontem. As demais estradas do país também estavam sendo desbloqueadas.

La Paz voltou a ser abastecida de alimentos e combustíveis. Durante todo o dia, um helicóptero transportou alimentos para as feiras e mercados da cidade, fechados desde o fim de semana passado. Os moradores de La Paz saíram às ruas logo cedo, para comprar suprimentos e olhar o estado de sua cidade, coberta de lixo, que também não era recolhido havia uma semana.

 

Depois dos eventos extraordinários que viveu nesses dias, a cidade estava ansiosa para restabelecer a normalidade.

 

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