Sete colunas de indígenas marcham para La Paz

No esforço para derrubar o governo, eles esperam repetir feito dos antepassados

 

LA PAZ – Em março de 1781, 40 mil índios das etnias aimara e quétchua se reuniram em torno da cidade de La Paz, para impor a rendição às forças espanholas. O Cerco de Chuquiago, como eles chamavam La Paz, durou 109 dias, causando severo desabastecimento na cidade, e é lembrado até hoje pelos camponeses indígenas da Bolívia como um momento de glória e heroísmo.

Mais de dois séculos depois, os aimaras e quétchuas do Altiplano boliviano começam a acreditar que podem repetir o feito de seus antepassados. Sete colunas de índios, totalizando algo como 10 mil pessoas, aproximam-se de La Paz, vindo de todos os cantos. Desta vez, eles pretendem tomar também o flanco sul, onde se concentram os bairros mais elegantes da cidade. Muitos começaram a chegar na tarde de ontem.

Milhares de manifestantes, entre sindicalistas, mineiros, índios e plantadores de coca se reuniram na Praça San Francisco, no centro de La Paz, para exigir a renúncia do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. A concentração se seguiu a um confronto entre mineiros e as forças de segurança.

No fim da manhã, cerca de 2.500 mineiros caminhavam em direção a La Paz, quando foram interceptados pela polícia, em Patacamaya, 100 quilômetros ao sul da capital administrativa. Alguns deles traziam pequenas granadas de dinamite, trazidas das minas. Segundo o governo, dezenas delas foram lançadas contra uma tanqueta do Exército. Os soldados abriram fogo, matando dois mineiros, um deles com um tiro no peito, e ferindo 14 pessoas, incluindo crianças que estavam dentro de casa e foram atingidas através das janelas. As Forças Armadas informaram ter apreendido 2.460 cartuchos de dinamite com os mineiros.

Alguns mineiros disseram ter visto uma avioneta sobrevoando a área e disparando contra os manifestantes, mas a informação não pôde ser confirmada. “Simplesmente não podemos permitir que manifestantes armados com dinamite cheguem até La Paz”, disse o ministro da Saúde, Javier Torres Goitia. “Isso acabaria numa matança.” No fim da tarde, no entanto, alguns dos mineiros que conseguiram avançar até a capital – onde se estima que haja cerca de 800 deles – detonaram esses pequenos explosivos, que eles chamam de “cachorros” (filhotes, em espanhol).

Outros mil cocaleiros entraram no centro de La Paz, alguns trazendo a Uipala, bandeira com as cores do arco-íris, que representa os camponeses de origem indígena. Esses camponeses, vindo da região do Chapare, cerca de 600 quilômetros a leste de La Paz, formam o reduto do Movimento ao Socialismo (MAS), de Evo Morales.

O próprio Morales encabeçou ontem uma “marcha” de 4 quilômetros em Cochabamba, a principal cidade próxima ao Chapare, e um dos locais onde os confrontos têm sido mais violentos. O centro de Cochabamba se converteu em campo de batalha, com os manifestantes jogando pedras e coquetéis molotov na polícia, que respondeu com bombas de gás lacrimogêneo. Um dos coquetéis causou princípio de incêndio na prédio da prefeitura.

Em Santa Cruz de la Sierra, centro econômico do país, ocorreram saques ontem pela primeira vez desde que começou a atual onda de confrontos, na sexta-feira. Num mercado da cidade, houve pânico entre os comerciantes, quando chegaram os rumores de que haveria saques, mas alguns não conseguiram fechar as portas a tempo.

O governo começou na terça-feira a organizar carregamentos de carne, frutas e verduras por aviões, que chegam ao aeroporto em El Alto e percorrem os 15 quilômetros para La Paz em comboios escoltados pelo Exército. Dessa maneira também têm chegado carregamentos de gasolina e de gás. Mas os suprimentos não são suficientes para atender a demanda. Na madrugada de ontem, moradores da cidade formavam longas fila à espera de botijões de gás.

As Forças Armadas e as ambulâncias têm tido prioridade no fornecimento de gasolina. De qualquer maneira, muito poucos carros civis – basicamente os da imprensa, carregando panos brancos e a bandeira da Bolívia – se aventuram pelas ruas de La Paz, tomadas por barricadas de pedras e pneus queimados. Os manifestantes, em geral hostis à imprensa, que consideram estar contra eles, costumam atirar pedras nos carros que passam.


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