A conta do racionamento: R$ 15 bi a R$ 20 bi

É a soma das compensações para as distribuidoras e de custos não repassados

  

Enquanto os consumidores se submetem ao ritual mensal de aguardar com ansiedade e examinar com temor suas contas de eletricidade, que revelarão se atingiram o número mágico de kilowatts/hora ou se foram condenados à sobretaxa e às trevas, uma outra conta do racionamento vai se avolumando paralelamente e tomando proporções assustadoras. Se durar até dezembro, o racionamento deixará um rombo no setor elétrico de cerca de R$ 15 bilhões; até abril, R$ 20 bilhões e assim por diante.

Os cálculos são de Luiz David Travesso, presidente da AES Brasil, controladora da Eletropaulo. É a soma do que as geradoras terão de pagar, como compensação para as distribuidoras, pela energia que lhes falta para suprir o mercado, e do aumento de custos não repassados para as tarifas.

A primeira parte desse custo, sobre a qual não se tinha falado ainda, tem a seguinte origem. Nos últimos anos (o gráfico ao lado conta essa história desde 1997), as geradoras têm sido obrigadas a fornecer energia acima daquela reposta em seus reservatórios pelas chuvas. Até chegar à situação de hoje, em que, depois de uma estiagem particularmente aguda, elas não são capazes de atender à demanda. Detalhe: a energia excedente que empurrou o nível dos reservatórios para baixo para suprir uma economia em crescimento saiu pela bagatela de R$ 3 o megawatt/hora, segundo Travesso.

Entretanto, as normas criadas pelo governo para atrair o investimento privado – e que, segundo as distribuidoras, acompanham os padrões internacionais – estipulam que, nesse caso, as geradoras são obrigadas a comprar no mercado e entregar para as distribuidoras a energia que não conseguem produzir. Os vendedores podem ser ou grandes consumidores que não usaram toda a energia contratada ou geradoras emergenciais, atraídas pelo cenário de escassez de oferta.

Negócio da China – Para quem tem energia para vender, o negócio é da China. Os grandes consumidores pagam algo em torno de US$ 25 pelo megawatt/hora. As turbinas de avião convertidas em usinas termoelétricas – chamadas de aeroderivativas – que estão sendo trazidas para suprir um mercado faminto geram energia ao preço de US$ 60 a US$ 70 o megawatt/hora. E as usinas montadas em barcaças que navegam o planeta ao sabor de oportunidades como essa alcançam um preço de US$ 70 a US$ 80.

Todos esses poderão vender no mercado, para as geradoras obrigadas a entregar a energia, ao salgado preço de R$ 684 (US$ 274), estipulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), justamente para atrair ofertantes.

Além disso, como já tem sido noticiado, de acordo com o Anexo 5 dos contratos de concessão, as distribuidoras têm direito a uma compensação em caso de redução da demanda decorrente de alguma decisão do governo, como é o caso do racionamento.

A regra diz que a geradora, nesse caso, tem de ir ao mercado, comprar a energia e fornecê-la à distribuidora pelo preço regulado, arcando com a diferença. Como essa energia, no caso de racionamento, simplesmente não está disponível, a operação se torna puramente financeira, assumindo a forma de indenização por lucro cessante.

Nos cálculos do presidente da AES Brasil, o sobrepreço a ser pago pelas geradoras e a compensação a ser recebida pelas distribuidoras somarão cerca de R$ 10 bilhões até o fim deste ano.

Capitalismo e risco – Agora vem a segunda parte.

Os custos da distribuição de energia estão divididos nos contratos de concessão em duas parcelas. A parcela A é composta de custos não gerenciáveis: a energia comprada das geradoras; as taxas do setor – para a manutenção do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), do Mercado Atacadista de Energia (MAE) e do Programa de Eficiência Energética, para a Reserva Global de Reversão e para a Conta de Consumo de Combustível, rateada entre as distribuidoras; e os tributos – ICMS, Cofins, PIS. Taxas e tributos somam 40%.

A parcela B abrange os custos de operação, manutenção e remuneração do capital. Pelos contratos, os custos da parcela A devem ser integralmente repassados para as tarifas. Capitalismo sem risco? Na visão das distribuidoras, e do próprio governo ao elaborar a regulamentação, o risco inerente ao negócio – o da distribuição da energia – está na parcela B.

Segundo o presidente da AES Brasil, até janeiro de 1999, quando o câmbio passou a flutuar, o IGPM, aplicado sobre as tarifas, era suficiente para cobrir os aumentos de custos, já que ele acompanha a variação cambial. Desde então, a parcela A vem acumulando um custo não repassado – oriundo da oscilação cambial – que no fim do ano deve chegar a R$ 4,6 bilhões, segundo cálculo da consultoria A.T. Kearney.


Até abril, os cerca de R$ 15 bilhões de dezembro terão saltado para R$ 20 bilhões, nas contas de Luiz David Travesso. Quem vai pagar por isso?

Adivinhe. Quando as geradoras tiverem de começar a desembolsar esse dinheiro, o caminho natural será o repasse do custo para as contas de eletricidade. Lembrando que indústria e comércio também terão de repassar seus custos para os produtos.

Há uma alternativa? Há. Como 85% da geração está nas mãos das estatais, o governo pode tomar a decisão política de absorver pelo menos uma parte dos custos adicionais. Nesse caso, a conta terá de ser paga pelo Tesouro. Em síntese, se não sair do bolso do consumidor, sairá do bolso do contribuinte. 



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