A guerra entre o ‘bom’ e o ‘mau’ traficante

‘Lulu’ e ‘Dudu’ representam estilos diferentes de gerir o tráfico na Rocinha

 

 

RIO – Mais do que uma luta entre dois chefes do tráfico, a guerra da Rocinha é um choque entre duas visões do negócio. Luciano Barbosa da Silva, o Lulu, morto na quarta-feira pela polícia, havia instalado ao longo de cinco anos um estilo de gestão conciliador, acomodando interesses e evitando confrontos. Tanto que ele não expulsou os auxiliares mais próximos de Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, ao assumir o seu lugar no comando do tráfico na Rocinha.

Esse pode ter sido seu erro. Quem informou a polícia de que Lulu estava em uma casa no alto do morro foi um ex-sargento da Polícia Militar cooptado por Dudu, que nos seus anos áureos, na primeira metade da década de 90, chegou a trafegar pelo morro num carro da polícia.

Ao se deparar com a polícia, Dudu costumava ou enfrentá-la ou suborná-la, dizem moradores da Rocinha. Lulu, ao contrário, fugia, evitando matar policiais e poupando moradores de balas perdidas. Embora contasse com cerca de 200 homens, Lulu estava acompanhado apenas do chefe de uma frota de mototáxis, quando foi pego pela polícia.

Alguns de seus ajudantes queriam invadir o Vidigal para enfrentar Dudu, que se havia instalado no morro vizinho. A polícia interceptou um diálogo em que o traficante conhecido como Lion, um dos mais violentos do bando, dizia: “Já peguei os fuzis e os homens”. Lulu respondeu: “Cê não tem homem nem fuzil.”

Lulu não costumava abusar de seu poder e procurava manter a palavra. No ano passado, seu ex-motorista, conhecido como Baixinho, procurou um morador e disse que o chefe tinha gostado de seu cordão de ouro. Perguntou se queria vender. Sentindo-se sem opção, o morador criou coragem e botou um preço: R$ 5 mil. Foi levado, num Vectra, até a casa de Lulu, no alto do morro.

O chefe do tráfico perguntou se podia dividir o pagamento em duas vezes. “Claro”, concedeu o morador, cercado por seis homens armados de fuzis. Desceu o morro de volta com o Baixinho no carro, que lhe entregou os primeiros R$ 2.500,00. Uma semana depois, o Baixinho apareceu de novo em sua casa, com outro pacote contendo exatos R$ 2.500,00.

A prosperidade da Rocinha – que vende R$ 10 milhões em drogas por semana, segundo a Cinpol – é atribuída, em parte, à localização privilegiada, entre os bairros de São Conrado e do Leblon. Mas em parte, também, ao estilo de Lulu.

Os moradores dos bairros elegantes da zona sul – Ipanema, Copacabana, Barra da Tijuca – vinham à Rocinha comprar drogas, seguros de que não haveria balas perdidas, assaltos, roubos de carros, etc. O mesmo não acontece com os outros morros, onde as disputas entre traficantes são constantes, levando à decadência do negócio.

Nas 24 horas em que ficou na Rocinha, Dudu, lembrado por suas atrocidades quando controlou o tráfico na primeira metade dos anos 90, procurou demonstrar que continua o mesmo. O bando cometeu vários estupros, arrombando casas e aterrorizando moradores. Dudu pessoalmente torturou e executou o professor de skate Wellington da Silva, na frente de muitos moradores (ver abaixo). E encheu de balas um cachorro que passava na rua. “Farei a mesma coisa com quem não me obedecer”, teria dito.

A aparente paz e a prosperidade vinham convertendo a Rocinha num bairro de classe média baixa, com restaurantes concorridos e bailes animados, beneficiando não só os traficantes – que encontram um mercado crescente em sua população de 200 mil habitantes -, mas também os moradores comuns.

Agora, dezenas de famílias estão se mudando. “A Rocinha tinha virado um bairro”, define um morador. “Com essa guerra, voltou a ser favela.” O que muitos moradores gostariam, mesmo, é que o tráfico deixasse de dominar o morro. Mas, depois de mais de duas décadas de domínio contínuo, isso soa como uma utopia. Já que a Rocinha “tem” que ser dos traficantes, dizem eles, pelo menos que seja de um “traficante bom”.

O novo chefe do bando, Adriano da Costa Brito, o Zarur, tem um perfil bem mais violento que o de Lulu. Lion também ganhou ascendência sobre o grupo. Erismar Rodrigues Moreira, o Bem-Te-Vi, tido como um “diplomata” no morro por seus bons modos, ficou como um “gerente” de Zarur. Ele era o preferido de Lulu, de quem ganhou o cordão de ouro. 


Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*