A luta pelo poder e dinheiro na Rocinha

‘Lulu’ deixou de pagar Comando Vermelho, que quer impor ‘Dudu’ como líder do tráfico

 


RIO – “Estávamos resistindo ao Comando Vermelho.” É assim que moradores da Favela da Rocinha sem envolvimento com o tráfico explicam sua participação na “guerra” das últimas semanas, ao lado do narcotraficante Luciano Barbosa da Silva, o Lulu. Homens comuns voltavam do trabalho à noite e pegavam em armas para ajudar a repelir os ataques do bando de Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, que desde janeiro vinha assediando a favela, de sua base no vizinho Morro do Vidigal.

Na Rocinha, contam que Lulu tinha parado de mandar dinheiro para os chefes do Comando Vermelho (CV) na prisão. Essa seria uma das razões pelas quais a organização teria apoiado o retorno de Dudu. Segundo a Coordenadoria de Inteligência Policial (Cinpol), 60% da droga vendida no Rio passa pela Rocinha, o que a torna a principal fonte de renda do CV.

Dudu prometeu ser generoso com o CV, reservando pontos-de-venda na Rocinha para cada um dos chefes da organização, segundo a inteligência da polícia. Além disso, com seu estilo menos truculento, Lulu desagradava o Comando Vermelho ao não participar de ações destinadas a intimidar as autoridades, como os atentados e incêndios de ônibus.

A reivindicação de Dudu perante o CV foi também a cobrança de uma dívida. O ex-chefe do tráfico Denir Leandro da Silva, o Dênis da Rocinha, quando aceitou que seu sobrinho Lulu assumisse o comando, em 1999, determinou que o posto deveria ser restituído a Dudu quando saísse da prisão. Dênis foi enforcado no presídio de Bangu, em janeiro de 2001, supostamente a mando de Marcinho VP, que com isso assumiu a chefia do CV. Quando Dudu saiu da cadeia, em janeiro, beneficiado pela Justiça com regime semi-aberto depois de cumprir 8 dos 26 anos a que fora condenado, Lulu se recusou a lhe devolver o comando.

Mas os laços do CV com o bando de Dudu têm-se afrouxado, garante a Cinpol. No carnaval, a polícia vazou na imprensa os planos de Dudu de invadir a Rocinha e mandou um recado para o chefe do CV, Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP: “Nós prendemos Dudu porque a favela o entregou, e vai entregar de novo”, numa referência à prisão do traficante em 1995 enquanto dormia, delatado por membros da comunidade.

Com isso, diz a polícia, Marcinho VP, em vez de “ordenar”, passou apenas a “permitir” o apoio da organização a Dudu. A mudança fez os chefes mais importantes do tráfico fora da Rocinha – dos morros da Mangueira e Providência – retirarem o apoio. Isso explicaria por que Dudu reuniu apenas 60 pessoas para o ataque da madrugada do dia 9, quando precisava de pelo menos 200 – o número estimado de “soldados” do bando de Lulu.

No total, segundo a polícia, o bando de Lulu tinha 500 integrantes, embora moradores estimem seu contingente em 800. Além dos “soldados”, há os “vapores”, que descem com a droga em mochilas; os “fogueteiros” e olheiros, que avisam o que se passa na favela; e os “endoladores”, que fazem os papelotes de 3 gramas de cocaína, vendidos por R$ 5 a R$ 20, dependendo da qualidade. O nome deriva de “dólar”, que é como os pacotinhos eram chamados antigamente.

Lulu amealhou um arsenal respeitável, diz a polícia, com muitas armas importadas de alto desempenho, como os fuzis-metralhadoras HK G3, de fabricação alemã, além dos clássicos AK-47, feitos na China. Na madrugada da invasão, dizem moradores, uma metralhadora .30 – aquela que se apóia num suporte em V e é municiada por pesados pentes -, disparava continuamente do Vidigal, e outra respondia, da Rocinha. Os policiais negam essa versão. “O pessoal da Rocinha não sabe mais distinguir tiro”, ironiza um membro da Cinpol.

Dudu, de sua parte, está com um arsenal de novos Fuzis de Assalto Leves (FALs), de fabricação nacional, muito eficientes também, o que intriga os agentes de inteligência, que não sabem onde ele os arrumou. O grosso do “bonde” de Dudu, garante a Cinpol, era formado por “camicases”, meninos que não têm nada a perder, de morros onde o tráfico está decadente, como o Boréu, Andaraí e Vigário Geral.

Ele soube trabalhar bem com o que tinha, no entanto. Sua invasão atraiu a polícia, que acabou matando Lulu na quarta-feira, enquanto Dudu se refugiava longe dali, provavelmente no Complexo do Alemão, zona norte da cidade.

Seja como for, Dudu tem procurado manter a aura de seu vínculo com o Comando Vermelho. Na madrugada da Sexta-Feira da Paixão, durante a invasão da Rocinha, ele pichou num muro o código “CV 2D FZD”, que significa “Comando Vermelho Dudu Fazendinha” – uma favela do Complexo do Alemão controlada pela organização.


Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*