Almirante vê com restrição Ministério da Defesa

Ex-ministro da Marinha Mauro César Pereira acha difícil integração de Forças com nova pasta

 

BRASÍLIA – O nível de integração e coordenação das três Forças Armadas deverá ficar muito aquém das expectativas inicialmente criadas com o Ministério da Defesa. É o que afirma o almirante Mauro César Pereira, na última entrevista que concedeu como ministro. Nela, o almirante defende prerrogativas de ministros para os comandantes das Forças e diz que o Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), como está, “é uma ilusão”. Ele explica ainda os motivos de suas restrições à criação da pasta, mas mostra-se resignado com a “decisão política” consumada, apontando características que tornariam o novo ministério útil.

Estado – Como o senhor vê a criação do Ministério da Defesa?

Mauro César Pereira – De início, nossa posição foi contrária, porque a tradição não era ter Ministério da Defesa. A pasta começou a ganhar força, efetivamente, por causa do exemplo americano, e no início o próprio americano não sabia exatamente para que estava tendo um Ministério da Defesa. Nós tínhamos de ter muito cuidado com isso. Mas os tempos mudam e é preciso tentar. Havendo a decisão política de fazer, nada mais interessante do que raciocinarmos nesses termos: tentar evitar tudo de ruim e dar força aos benefícios que existem e são próprios ao Ministério da Defesa. No meu entender, o trabalho não iria bem se fosse pelo caminho que inicialmente se pensava, o de simplesmente fazer um Ministério da Defesa bem quadradinho e organizado como o dos EUA.

Estado – Em que sentido?

Pereira – Normalmente, as pessoas usam traduções inadequadas ou que não são fiéis ao sentido original e interpretam palavras que têm significados mais amplos do que os que existem ou, ao contrário, às vezes de significado restrito e que são interpretadas com significado amplo. Pessoalmente, eu tenho duas experiências de fora. Durante boa parte da minha carreira pude lidar de perto com os americanos e ver o Ministério da Defesa deles. Mais tarde, fui mandado para a Inglaterra e acabei instalado dentro do Ministério da Defesa inglês; passei dois anos freqüentando suas salas. Descobri que nem nossos amigos que estavam lá conheciam a estrutura do Ministério da Defesa, porque quem lê os papéis deles, onde isso está escrito, não tem noção do que seja criar um ministério assim.

Estado – Por quê?

Pereira – Primeiro, porque eles são diferentes na maneira de organizar, de arrumar e ver as coisas e, segundo, também porque fazem muita coisa “para inglês ver”. Já que tinham de ter um Ministério da Defesa, que continuassem a operar como se ele não existisse. O que não impediu que o ministério deles crescesse a quase 100%. Só para dar uma idéia, uns quatro anos atrás iniciaram a idéia de redução de gastos militares. Fizeram um estudo profundo para reduzir nos setores de apoio. E de fato conseguiram umas tantas opções. No Ministério da Defesa, eles passaram de 12 mil elementos para 3 mil; onde cresce a burocracia, eles cortaram.

Estado – O que se descobriu no grupo interministerial que fez a proposta do novo ministério?

Pereira – Há coisas impressionantes. Você pensa que há integrações fáceis, factíveis e, quando vai ver, o nível de integração é de uns 30%. Ao examinar o que cada unidade significava, muitas vezes se descobria que não era integrável. Obviamente, aquilo que mais se verifica logo que pode ser integrado é o político-estratégico. A partir daí, selecionam-se as tarefas decorrentes daqueles tópicos, que seriam objeto de integração maior ou menor. Essa integração poderia ser total ou não. O que mais ou menos logo ficou óbvio – e não parece óbvio para todo mundo – é que a integração administrativa é muito difícil.

Estado – Por quê?

Pereira – Quando o tamanho começa a ficar muito grande, mesmo coisas sem importância ficam inadministráveis. Agora, o fato principal é que as coisas são diferentes. Quando entramos nos detalhes, anotamos as diferenças e erificamos que a composição da estrutura tende a acompanhar as diferenças. Veja nosso caso. Formamos um marinheiro por uma escola de aprendizes e ele leva quatro anos para fazer um curso de especialização. É promovido a cabo e leva cerca de 10 anos para ser sargento. No Exército e na Aeronáutica, qualquer garoto que faz o concurso faz um curso de dois anos e é sargento. Para nós, isso é inviável. Nossa estrutura tem conformação diferente. Temos um nível de tecnologia muito forte, como a Aeronáutica. Só que a Aeronáutica usa a tecnologia quase que independentemente. Um sargento especialista da Aeronáutica faz o mesmo que um marinheiro nosso. Se quisermos pensar que as estruturas, por uma aparente economia, podem ser mudadas, vamos conseguir é diminuir a razão de ser daquela estrutura.

Estado – Como isso se aplica à esfera logística?

Pereira – Por exemplo, a Aeronáutica usa helicópteros e a gente também, mas não é tudo junto, porque cada um é diferente, para começar. São poucos os helicópteros que são iguais e, quando são iguais, os armamentos são diferentes. A estrutura logística de uma missão tem de estar próxima do lugar onde ela opera. Senão, não adianta. Se o helicóptero tiver um problema, vamos mandar para a Aeronáutica? Ele tem de estar sendo preparado no navio e, quando não é no navio, na base próxima de onde se encontra, desde que tenha condição adequada para isso. Então, a integração só pode ser feita onde ela se justifica, do ponto de vista econômico e militar, em primeiro lugar. Isso me parece que foi bem entendido.

Estado – Como isso afeta o Estado-Maior?

Pereira – Esse foi outro aspecto que deu muita discussão. Devemos ter um Estado-Maior para planejamento geral, não operacional. A estrutura do EMFA é deficiente. É uma estrutura que é administrativa e pouco faz de administração, que é operacional e pouco faz de operacional. Então, nós vivemos a ilusão de ter um Estado-Maior das Forças Armadas, pelo que vejo, que funcione. O que precisamos é um Ministério da Defesa para cuidar da política de defesa, determinar as grandes linhas das Forças. Não se preocupar com detalhes. Temos hoje uma estrutura militar de guerra que é boa, só que não se pratica, não há como praticar.

Estado – Com o Ministério da Defesa…

Pereira – Caberia capacitar-se para pô-la em prática. No meu entender, esse é um dos aspectos capitais. E não adianta a gente dizer que a Marinha tem isso, que o Exército tem aquilo e um fala com o outro, no papel. Na Marinha, todos os exercícios são como se fôssemos participar da guerra. É aí que discutimos com os nossos marinheiros as nossas deficiências. Quando a gente chega a uma conclusão de que há uma deficiência que não é sanável a curto prazo, temos de inventar táticas para conviver com aquilo. A condução do assunto Ministério da Defesa caminhou bastante nesse sentido e por isso é que surgiram as fórmulas, desde que tenhamos o cuidado de não querer mudar aquilo que não é modificável e de não deixar de planejar.

Estado – Como devia ser o status dos comandantes de Força, com a extinção dos ministérios?

Pereira – Há prerrogativas sem as quais não se conseguirá, no nível das Forças, o que hoje na nossa condição só se faz como ministro. Então, é preciso dar essas prerrogativas também aos comandantes de Força. Daí a necessidade de encaminhar para a emenda constitucional. Querer preservar o status de ministro pela importância do cargo, eu diria que não é pela vaidade do status, mas pela praticidade do que existe em torno do cargo.


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