Avaliações indicam que ele não pode ser solto

Champinha não é louco, mas não mede conseqüências de seus atos

 

Em sua primeira entrevista com um psiquiatra, em novembro de 2003, no calor do crime que assombrara São Paulo, Champinha respondeu à pergunta sobre se estava arrependido dizendo que sim, porque ia ‘ficar três anos fechado’. O psiquiatra insistiu, perguntando se tinha valido a pena, e ele explicou que não, porque ia ficar preso. ‘Ele não tem idéia da gravidade do homicídio’, escreveu o médico em seu laudo.

A naturalidade com que Champinha fala do que foi feito com Liana e Felipe poderia sugerir que se trata de um psicopata – fixado no próprio prazer e indiferente ao sofrimento do outro. Não é o caso de Champinha, garantem psiquiatras e psicólogos que o examinaram. O rapaz, dizem eles, sofre de um déficit intelectual que o coloca no limite da deficiência mental e impede que ele tenha capacidade de abstração e de crítica. Do ponto de vista intelectual e moral, é como uma criança pequena.

‘Se alguém assim lê numa placa ‘não pise na grama’, vai pisar para ver o que acontece’, exemplifica o psicólogo Antonio de Pádua Serafim, um dos quatro profissionais do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas que atendem Champinha semanalmente desde dezembro. ‘Não reflete antes e age depois. Só consegue pensar de forma concreta.’ Alfabetizado na Febem, Champinha pode ler um texto e repetir mecanicamente a história, mas não extrair uma moral dela.

Como crianças na faixa de quatro anos, Champinha resolve problemas por tentativa e erro. ‘Num quebra-cabeças, por exemplo, vai tentar duas ou três vezes encaixar as peças, sem olhar para a figura como um todo’, ilustra Serafim. ‘Tem que tentar para sentir. Não pára e pensa. Se não conseguir, se cansa e desiste. É impulsivo e intolerante.’

Isso não significa que Champinha não saiba que fez algo errado. ‘Seu ato homicida, apesar de ele estar na faixa limítrofe entre rebaixamento mental e normalidade, não foi instintivo, automático ou reflexo, foi voluntário’, concluiu laudo de outubro de 2004, assinado por quatro psiquiatras. ‘Ele sabia que estava cometendo uma infração. Quando foi detido inicialmente pela polícia para interrogatório, negou que soubesse do caso.’

Profissionais de diversas instituições e linhas de trabalho que o examinaram temem que, se retornar para o meio de onde veio, na periferia rural de Embu-Guaçu, Champinha possa voltar a praticar crimes. Não só pela incapacidade de medir as conseqüências do que faz, mas por ser facilmente influenciável.

No início do ano, seis outros jovens do ‘seguro’ – em geral estupradores, ou jacks, no jargão dos internos, que não podem ficar com os demais pelo risco de serem mortos – foram acomodados na área administrativa onde Champinha vive. Nessa época, o rapaz, que sempre se apresenta limpo, de cabelo rente, e não fala gírias, apareceu com um penteado ao estilo dos manos da periferia, unha comprida, barba por fazer e palavreado de bandido. Os psicólogos recomendaram tirar os seis do convívio de Champinha – que, em seguida, recuperou a aparência e o linguajar originais. A personalidade do rapaz é descrita como mesomórfica: assume a forma do meio.

Dois psiquiatras e duas psicólogas que fizeram o último exame de Champinha a pedido da Justiça, em setembro, afirmam que ele sofre de ‘transtorno anti-social de personalidade’, e apontam provável causa orgânica: falta de oxigênio no cérebro durante o parto, que se refletiu em convulsões na infância. Outros profissionais discordam do diagnóstico e descartam a relação, argumentando que não há lesão no seu cérebro.

Existe uma divisão, também, quanto à possibilidade de cura ou recuperação de Champinha. ‘Tem controle, tratamento’, diz um integrante da equipe do último laudo, que acredita que anticonvulsivos poderiam ajudar a inibir suas tendências à violência. ‘Cura, não tem.’ Antonio Serafim acredita que pacientes assim possam melhorar com psicoterapia comportamental – quase um treinamento. Mas também não vê chances de cura.

O psicanalista Raul Gorayeb, diretor do Centro de Referência para a Infância e Adolescência, da Universidade Federal de São Paulo, um dos quatro autores de dois laudos sobre Champinha, acha que em casos como o dele pode haver recuperação, numa instituição adequada. ‘Na Santa Fé, conseguimos bons resultados com indivíduos com histórico mais grave que o dele’, diz Gorayeb, referindo-se a uma instituição que ele supervisiona. ‘Não pela via médica, mas pela construção de convívio social baseado em valores.’

Todos concordam numa coisa: como está, Champinha não pode simplesmente ser solto. Há um ano, a Fundação Casa preparou a mudança de Champinha, com a mãe e a irmã de seis anos, para o interior de Minas, onde trabalharia, incógnito, na fazenda do sogro de sua prima. Mas a Justiça impediu sua desinternação.


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