Biodiesel, até agora uma boa idéia

Só que ele não substituirá o petróleo, e a mamona não será o seu carro-chefe, mas sim a soja

 

MOJU, PARÁ – De tempos em tempos, aparece no Brasil uma solução mágica. A do momento é o biodiesel, promovido incansavelmente pelo presidente Lula. No mês passado, na solenidade de assinatura dos primeiros contratos de compra de biodiesel pela Petrobrás, Lula sentenciou: “Não teremos medo, porque o dia em que alguém disser ‘não tem mais petróleo’, nós estaremos dizendo ‘pois bem, nós temos alternativa, pode começar a comprar que é nosso’.”

No imaginário do presidente, o biodiesel está encarnado na mamona, o fruto resistente do semi-árido que ele conheceu na infância, e que sintetiza a perseverança nordestina diante da adversidade. Na mesma cerimônia, o presidente segredou que viaja com fotos de mamona na mala, para apresentar o exótico fruto.

O biodiesel é uma boa idéia. “Energia do sol acumulada na planta”, como define Ildo Sauer, diretor de Gás e Energia da Petrobrás, ele tem um espaço a ocupar, diante do compromisso mundial de reduzir emissões de gases do efeito estufa, do interesse brasileiro em diminuir consumo de óleo diesel e da conveniência de envolver agricultores familiares em sua produção.

Mas será que o biodiesel é tudo isso?

Se parássemos de comer e entregássemos todo o óleo vegetal produzido no mundo aos postos de combustíveis, supriríamos 3% do total de óleos minerais ou 13% de diesel e aquecimento. “Dizer que, se o petróleo acabar amanhã, estamos preparados para substituí-lo, é prova de ignorância do assunto”, diz Marcello Brito, diretor comercial da Agropalma, produtora de óleo de dendê.

A mamona é um negócio complicado. Graças a sua resistência a temperaturas muito altas e muito baixas, seu óleo tem aplicação nobre na indústria, e é commodity cara. Assim, seu custo de oportunidade, expresso no preço para exportação, supera facilmente o que o governo brasileiro pode pagar pelo litro do biodiesel – R$ 1,90 no primeiro leilão, em novembro.

“O custo de oportunidade do óleo de mamona é o triplo do preço pago pela Petrobrás”, calcula um empresário da área de soja. “Estamos comprando mamona porque precisamos do selo social. Mas não somos obrigados a queimá-la como matéria-prima de biodiesel. Podemos exportar.”

MERCADO SENSÍVEL

Arnoldo Campos, coordenador do Programa de Biodiesel no Ministério do Desenvolvimento Agrário, garante que a possibilidade é remota, por causa dos controles do governo. E porque o mercado é muito sensível a aumentos de oferta. No ano passado, a produção de óleo cresceu 50%, e o preço do litro caiu de R$ 0,80 para R$ 0,25.

A produção média na agricultura familiar do Nordeste é de 700 quilos de semente por hectare (kg/ha). Para torná-la viável economicamente, seriam precisos 1.600 kg/ha, segundo Weber Amaral, coordenador do Pólo Nacional de Biocombustíveis, da USP.

O governo montou um programa de isenção para os produtores de biodiesel, por meio de um selo social, que incentiva a compra de matéria-prima de agricultores familiares, com ênfase na mamona do Nordeste e no dendê do Norte.

De acordo com o consultor André Pessoa, os assentamentos têm eficiência média de 3%. “Se formos depender dessa eficiência para um programa energético, estamos lascados”, diz. “Vai-se enterrar muito dinheiro nisso. O programa está todo equivocado. Uma coisa é programa social, outra coisa é programa energético.”

“Esse mercado é para profissionais, não para amadores”, diz Marcello Brito, da Agropalma, que investe na parceria com posseiros e assentados no Pará. “Montar um programa de biodiesel à base de agricultura familiar é absurdo.”

Ildo Sauer, da Petrobrás, filho de pequenos agricultores de Missão (RS), acha que é preciso dar crédito à agricultura familiar. Ele sugere “um modelo híbrido de produção familiar e de grande porte”. Essa era a idéia inicial do Proálcool.

Os especialistas do governo não dão tanta importância à mamona. “Nossa idéia é estabelecer no País a possibilidade de não trabalhar com uma oleaginosa. Isso seria ruim”, diz Arnoldo Campos, coordenador do programa. “Queremos diversificar ao máximo.” Segundo ele, a soja, a maior commodity do mundo, será a matéria-prima mais importante, seguida da mamona e do dendê.

Mas há sólidas apostas na mamona. A Brasil Ecodiesel já investiu R$ 60 milhões e vai pôr outros R$ 120 milhões na produção de óleo de mamona nos nove Estados do Nordeste e em Tocantins e Minas Gerais, com capacidade instalada de 280 milhões de litros/ano em janeiro de 2007. O projeto envolve 30 mil famílias, que plantam em média de 1,5 hectare a 2 hectares.

O biodiesel não é uma solução mágica, mas pode dar resultados. “Se for só programa energético, eu temo. Se for só social, eu temo também. Se for os dois, balanceados, vai ser maravilhoso”, sintetiza Brito. “Tem é de fazer com muito carinho.”


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