Bolsa Família conquista os grotões e pode reeleger Lula

Programa, que atende 7,5 milhões de famílias, deve chegar a 11,2 milhões. Beneficiários dizem que vão votar no presidente

 

ARAIÓSES – Maria Lucineide dos Santos nunca votou em troca de alguma coisa. “Quando vejo o candidato, sinto se é a pessoa certa”, diz ela. Na última eleição presidencial, Lucineide, de 29 anos, escolheu José Serra. No ano que vem, será diferente: votará pela reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

“Aqui no interior, acreditam em tudo”, diz Lucineide, que mora no povoado São Paulo, a 8 quilômetros de Araióses, no Maranhão. “Na campanha, falaram que o Lula era comunista, que se ele fosse eleito as pessoas iam perder tudo, ia ter muita briga por terra”, recorda. “Falam tanto mal dele nos jornais, estão com inveja. Mas agora aqui a gente não tem dúvida. Ele tem feito tanta benfeitoria.”

O motivo do entusiasmo se chama Bolsa Família. Lucineide e seu marido Silvane Leandro de Souza, de 32 anos, nunca tinham tido benefício algum do governo, antes de começar a receber R$ 95 do programa, há dois anos. Com eles, estão tirando da desnutrição seus filhos Romário, de 11 anos, Suzana, de 9, Ana Camila, de 7 e Carolina, de 5. Nesses dois anos, sua choupana de palha de carnaúba deu lugar a uma casa de paredes de adobe revestido de cimento e coberta de telhas.

Fora o benefício, a renda da família se aproxima de zero. Como muitos na zona rural de Araióses, 500 quilômetros a leste de São Luís, Lucineide e Silvane arrancam algum sustento das “sobras” de terra (áreas do Estado na beira das estradas e em ilhas fluviais), onde plantam feijão, milho e mandioca, para subsistência. Dinheiro, só quando conseguem vender um saco de farinha – a R$ 30 -, o que não acontece todos os meses.

Sandra Rodrigues, de 22 anos, tem sete filhos, formando uma escadinha que vai dos 2 aos 8 anos de idade. Seu marido, Francisco de Assis, de 28, com quem Sandra “juntou” aos 12, porque seus pais morreram e ela “andava sozinha no meio do mundo”, chega a tirar R$ 50 por mês trabalhando na roça. Na quinta-feira, dia de sacar os R$ 95 mensais com seu cartão do Bolsa Família, Sandra pegou um pau-de-arara no Areal, onde mora, a 38 quilômetros de Araióses, e veio comprar açúcar, café, arroz e farinha. Edvaldo Cardoso, o dono da caminhonete, calcula que o movimento triplicou por causa do Bolsa Família. “Antes, eram só os ‘rurais'”, diz ele, referindo-se aos aposentados que vinham sacar dinheiro e fazer compras.

“Se Lula for candidato, voto nele porque acho que é por causa dele que a gente recebe esse dinheiro”, disse Sandra. A declaração se repete monotonamente entre quem tem o benefício. “Vou votar no Lula porque ele me deu o Bolsa Família”, diz Ana Lúcia Aguiar Vale, de 29 anos. “Tenho que votar em quem está me ajudando. Se voto noutro, ele corta e fico sem.”

Seu marido, José Andrade de Lima, 32, trabalha catando caranguejos no Rio Santa Rosa, que banha Araióses. Vende a “corda”, com quatro caranguejos, por R$ 1. Nos meses de sorte – a coleta e a pesca estão escasseando -, tira R$ 50 por mês. Com uma filha de 11 anos e um de 9, o casal recebe R$ 80 por mês do Bolsa Família. “Não ganho nada”, diz Ana Lúcia, enquanto lava suas roupas no rio. “Nunca arranjei emprego.”

Araióses tem o sexto pior índice de desenvolvimento humano (IDH) de todos os municípios brasileiros. Com seu comércio pequeno e agricultura de subsistência, os únicos empregos disponíveis estão na prefeitura, que tem 1.204 funcionários. Em contrapartida, 4.357 famílias recebem o Bolsa Família. Para uma média de cinco integrantes por família, são 21.785 pessoas, ou 62% da população de 35.118 habitantes. No mês passado, o programa creditou R$ 338.796 nos cartões dos beneficiários de Araióses – o que equivale a 43% dos repasses federais ao município, que somaram R$ 774.738 em setembro.

Não é um caso isolado. Levantamento feito pela economista Rosa Marques, da PUC de São Paulo, detectou um grupo de 57 municípios onde os recursos do Bolsa Família correspondem a 43% da receita. Noutros 39 municípios, a fatia chega a 40%. Movimentando a economia e mudando a vida de milhões de pessoas, o Bolsa Família se converte no maior programa de transferência de renda da história do País – e no mais poderoso trunfo de Lula para se reeleger no ano que vem.

Hoje, o programa atende a 7,5 milhões de famílias. Este ano, a meta é chegar a 7,8 milhões e, no fim de 2006, a 11,2 milhões. Esse é o total de famílias com renda per capita de até R$ 100 por mês. Trata-se de contingente de cerca de 56 milhões de pessoas, ou quase um terço da população do País. Se se considerar pelo menos dois eleitores em cada família, são potencialmente mais de 22 milhões de votos. Mais que a diferença de Lula sobre Serra no segundo turno, que foi de 19,75 milhões. 


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