Brasil briga pela vaga desde 1992

Na época, o chanceler Lafer comunicou aos EUA que achava inaceitável deixar de fora do conselho representantes de outras regiões


Em maio de 1992, o então chanceler brasileiro, Celso Lafer, comunicou a Lawrence Eagleburger, na época secretário de Estado interino dos EUA, que o Brasil considerava inaceitável que Japão e Alemanha se tornassem membros permanentes do Conselho de Segurança, deixando de fora representantes de outras regiões do mundo.

O secretário interino concordou com a posição brasileira e até recomendou que o Brasil “viabilizasse sua aspiração”, em conjunto com Japão, Alemanha e Índia – o que se materializaria 12 anos depois, na última Assembléia Geral das Nações Unidas. Mas o G-4 não foi a única premonição de Eagleburger. “Essa discussão da reforma da ONU corre o risco de se converter numa caixa de Pandora”, disse o secretário.

Como na lenda grega, em que a advertência de Epimeteu a sua mulher para que não abrisse a sinistra caixa deixada em sua casa por Mercúrio apenas aguçou a curiosidade de Pandora, também o aviso de Eagleburger não surtiu efeito. Brasil e Índia, seguidos por Nigéria, África do Sul e Egito foram tão veementes em sua reivindicação que os Estados Unidos postergaram indefinidamente a ampliação do Conselho.

Seu interesse, assim como o da Rússia, era a entrada apenas de Alemanha e Japão, gigantes econômicos e anões políticos, para compartilhar os custos crescentes da segurança mundial, e não dividir poder com países que pouco ou nada lhes tinham a oferecer.

Fernando Henrique Cardoso, sucessor de Lafer na chancelaria, manteve a linha segundo a qual, se houvesse uma ampliação, o Brasil não aceitaria a própria exclusão. Celso Amorim, primeiro como chanceler de Itamar, depois como embaixador na ONU durante o governo Fernando Henrique, tomou a peito a reivindicação do assento permanente, e agora, mais uma vez como chanceler, colocou-a no topo da agenda da política externa brasileira.

Não há comunicado final de encontro bilateral com chefes de Estado que não termine com um respaldo, mais ou menos entusiasmado, ao pleito brasileiro. Tem sido assim nos últimos dez anos. O que mudou foi a atitude brasileira. Fernando Henrique e seus ministros de Relações Exteriores – Luiz Felipe Lampreia e depois Celso Lafer – acreditavam que a ampliação do Conselho e a inclusão do Brasil deveriam vir por “decantação, não por imposição”. Em resumo, para Fernando Henrique, se houvesse ampliação dos assentos permanentes, o Brasil não poderia ficar sem o seu; para o governo Lula, é preciso que haja ampliação para que o Brasil possa ter um assento permanente.

No Itamaraty, as opiniões entre os diplomatas de carreira se dividem. Na época em que estavam “na oposição”, os que defendiam uma postura mais ativa brincavam que era como se o Brasil estivesse sentado em sua missão em Nova York, esperando que um dia a comunidade internacional batesse à sua porta e lhe desse de mão beijada a cadeira.

Ser membro permanente significa ser sempre consultado quando uma decisão está para ser tomada em relação à segurança mundial. Em termos práticos, dá poder de aprovar intervenções militares e de impor sanções – ou de vetá-las, como os Estados Unidos têm feito há décadas em favor de Israel.

Mas há custos. Para Celso Lafer, a campanha cobra um preço diplomático. “A prioridade, para o Brasil, sempre foram os vizinhos da América do Sul e da América Latina”, diz. “Atribuir prioridade a essa campanha, como vem fazendo este governo, que expressa obsessão por prestígio, tem custos políticos perante a Argentina e o México.”

No caso da Argentina, do Mercosul e da integração sul-americana, diz ele, o governo Fernando Henrique “tomou muito cuidado para não despertar receios de idéias hegemônicas” por parte do Brasil. No caso do México, trata-se de evitar que ele se sinta excluído do resto da América Latina.

Rubens Barbosa, o ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington, não vê grandes problemas nisso. “Isso é coisa da diplomacia, não é pacífico em nenhuma região”, observa. Itália resiste à candidatura alemã; o Paquistão, à indiana; a China, à japonesa.

“Quanto mais o Brasil posar de poderoso, mais vai encontrar quem se ressinta com isso”, adverte o professor José Augusto Guilhon Albuquerque, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP. Guilhon cita as intervenções do governo Fernando Henrique para assegurar a democracia no Paraguai e no Peru e do governo Lula na Venezuela e Bolívia. “Isso tem tido algum êxito porque tem sido vendido como prestígio, mas é poder, que é outra coisa.”

Existe sempre um risco em enviar tropas para outros países, como o Brasil faz agora no Haiti, e certamente tem de fazer, de forma mais robusta, ainda na fase de qualificação para a vaga no Conselho. “Se houver baixas, a opinião pública vai questionar”, antecipa Lafer: “Quais os interesses do Brasil? São significativos para colocar em risco a vida de brasileiros?” Guilhon observa que um militar brasileiro tomou um tiro no pé e isso foi primeira página nos jornais.

Na visão de Rubens Barbosa, toda essa discussão é inútil se os Estados Unidos continuarem se opondo à ampliação do Conselho, como têm feito há dez anos. “Os EUA podem matar essa discussão na primeira semana”, diz o diplomata.

Para o sociólogo Hélio Jaguaribe, do Instituto de Estudos de Políticas Econômicas e Sociais, do Rio, as chances de ampliação do Conselho dependem de em que medida os seus membros sintam necessidade de um aumento de representatividade. “Depende da crise de autoridade do Conselho.”

“Existe hoje um consenso, embora nem sempre manifesto, de que a configuração do Conselho de Segurança está vinculada ao pós-Guerra, reconhecendo a necessidade de incorporar países significativos”, pondera Jaguaribe.

“Ingressar no Conselho dá voz em assuntos internacionais da maior relevância, mas não é uma voz gratuita”, observa o sociólogo. Jaguaribe lembra que o assento permanente implica um “compromisso de participação operacional” em empreitadas militares. 


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