‘Brasil tem de aprender a ser grande’, diz almirante

Segundo ex-ministro, deveríamos perguntar: “Para que queremos as Forças Armadas?”

O Brasil tem que aprender a ser grande e o dimensionamento das Forças Armadas teria de ser definido com base na resposta à pergunta: “Para que as queremos?” É o que diz o almirante Mauro César Pereira, ministro da Marinha até dezembro. O ex-ministro se queixa dos cortes lineares no orçamento da defesa, fala da Amazônia e explica os projetos prioritários da Marinha: o submarino nuclear e o porta-aviões.

Estado – Vimos mais um corte linear no orçamento da defesa. Como esses cortes repercutem?

Mauro César Pereira – O alto escalão do Ministério do Planejamento devia conversar conosco. Faz sem saber quais são as nossas necessidades e o porquê. Nós temos atividades subsidiárias. Não são as principais, mas são importantes e são atribuídas à Marinha. Quem é que faz socorro e salvamento dos brasileiros no Atlântico? É a Marinha. Eles cortam e um belo dia vão pedir socorro e a Marinha vai dizer: “Não posso.”

Estado – Como deveria ser conduzida a discussão sobre o dimensionamento das Forças?

Pereira – Por tradição, o Exército representa o dobro da Marinha e da Aeronáutica somadas. Será que o Exército devia ter três vezes ou será que a Aeronáutica ou a Marinha devia ter três vezes? Isso tudo tinha que ser analisado assim: para que nós queremos as Forças Armadas? Vamos supor, por exemplo, que vamos sofrer uma invasão pela fronteira da Colômbia. Então, montamos o nosso planejamento, imaginamos qual seria o inimigo, qual é a composição de forças que devemos ter e vamos fazer o exercício real.

Estado – Não seria útil a definição mais precisa das ameaças?

Pereira – Não há possibilidade de sabermos de onde estão partindo as ameaças. Felizes são aqueles que têm inimigo definido. Quando a Rússia era superpotência e uma ameaça, era fácil. Você contava quanto a Rússia tinha disso e daquilo e se preparava. Hoje é tudo difuso, você não sabe quem é (o inimigo potencial) e está aí a grande dificuldade. Temos que ser capazes de fazer todas as tarefas básicas. No dia que a crise começar a se intensificar, aí sim, vamos apurar em um sentido ou outro e fazer o percurso que seja necessário para aquele tipo de ameaça.

Estado – Uma coisa realmente presente é a fronteira Norte, o problema da Amazônia?

Pereira – É um problema complexo e delicado. Mas – e a última vez que eu disse isso foi na Escola de Comando do Estado-Maior do Exército –, é um problema que nós fazemos mais difícil do que em realidade é. No meu entender, a grande ameaça da Amazônia está lá dentro: são os grupos que vão lá e vão mudando a mentalidade de quem vive na área. Há quem veja lá tentativas de desnacionalizar. Não é tão grave assim, porque não estão sozinhos. O nosso pessoal também está lá; não digo só pessoal militar, que também é importante estar, mas o de todas as esferas de governo, de todas as atividades. Se nós não formos muito bobos, o outro nunca vai prevalecer. Se não formos excessivamente descuidados, esse problema tem uma dimensão menor do que se possa apelidar. Pensar numa invasão da Amazônia por terra? Quem conhece a Amazônia, sabe que isso não pode ocorrer.

Estado – Pode haver ações desestabilizadoras na fronteira com a Colômbia, por exemplo.

Pereira – Concordo. Aí, vejo duas coisas. A primeira: nós temos que estar sempre preparados para cuidar das nossas coisas. Segundo: eu acho que nós temos que nos impor mais, ter uma política externa forte para evitar que isso ocorra. O Brasil tem que aprender a ser grande. Não é interferência indevida nos negócios dos outros, mas naquilo que afeta em nossas coisas. Na política de defesa, a única coisa que pretendemos, a curto prazo, é a defesa da Amazônia. E nós fazemos constantes exercícios para isso.

Estado – O armamento prioritário para a Marinha é o submarino?

Pereira – O submarino, é dito e sabido, é uma arma de pobre. Não é o submarino estratégico, isso está completamente fora da concepção brasileira, mas o submarino como meio de defesa. Sabidamente é o que há de mais difícil no mar, e ainda o será por muitos e muitos anos, de combater. Pelo tamanho de nosso litoral, nós só poderemos defender o Brasil com uma centena de submarinos convencionais. Se nós tivéssemos submarinos nucleares, uma meia dúzia deles já faria a diferença. É uma arma muito superior ao submarino convencional em velocidade e discrição quase total.

Estado – O porta-aviões tem sido muito criticado.

Pereira – Diz-se muita bobagem a respeito. Há aqueles para quem a única arma válida é o submarino. Não é. O submarino está submetido a ataque aéreo, ao ataque de mísseis. Ele não tem como se defender do helicóptero numa guerra. Na hora que o helicóptero está em condições de lançar o míssil, ele dá uma subida, lança o míssil e desaparece. E depois de o míssil lançado, é difícil defender-se. Então, a única forma de nós nos defendermos é tendo avião a bordo para atacar.

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