Cipriani, o homem que parou a CPI do Banestado

PT não aceita quebra de sigilo bancário de empresário ligado a compadre de Lula

 

A CPI do Banestado foi um parto da montanha. Acordo de líderes barrou a sua criação no Senado em maio de 2003, em meio a indícios de envolvimento de políticos na remessa ilegal de US$ 30 bilhões ao exterior. A repercussão negativa levou à sua aprovação na Câmara, sete dias depois. Ainda assim, nas semanas seguintes, as pressões do governo quase a enterram de vez.

Finalmente instalada, passou a despertar crescentes esperanças de um grande ajuste de contas com corruptos, sonegadores e seus intermediários, numa versão brasileira da célebre Operação Mãos Limpas. Parecia difícil de acreditar que os políticos se encarregariam de depurar a política. A história – como quase sempre – daria razão aos cínicos. A CPI do Banestado lembra agora a Itália não por ter emulado a Mani Pulite, mas por ter redundado em estrondosa pizza.

Afinal, o que fez a CPI desandar? Transcrições taquigráficas de sessões cruciais da comissão mista, em março, flagram o momento preciso em que os deputados e senadores do PT e dos outros partidos abandonaram o consenso mínimo que a sustentava.

O motivo se chama Antônio Celso Cipriani. Os parlamentares da oposição, apontando indícios de que o presidente da Transbrasil teria movimentado algo perto de US$ 100 milhões no exterior, enquanto a sua companhia aérea ruía, deixando passivo final de R$ 1 bilhão, defenderam a quebra de seu sigilo bancário. Para isso, limparam o caminho, atendendo às demandas do PT de convocar pela segunda vez Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, e três ex-diretores.

O relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), no entanto, defendeu ardentemente a proteção do sigilo bancário de Cipriani, alegando questões de critério. Mais discreto, e numa insólita aliança, o senador Romeu Tuma (PFL-SP), velho amigo de Cipriani, trabalhou contra o requerimento nos bastidores. Foram voto vencido. A quebra do sigilo foi aprovada no dia 17 de março.

A partir daí, no entanto, Mentor, que já vinha suspendendo o cumprimento de requerimentos (“sobrestando”, segundo o jargão), passou a obstruir ostensivamente os trabalhos, exigindo verificação de quórum para as votações.

O produto da CPI – a investigação de centenas de milhares de operações bancárias – foi entregue ao comércio intenso de chantagens e vazamentos de todos os lados. O relacionamento entre Mentor e o presidente da comissão, o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), degringolou. A CPI desistiu de si mesma.

Costas quentes – Mais uma vitória para a coleção de Cipriani, que hoje possui um espetacular empreendimento imobiliário no Colorado, além de uma rentável mina de alexandrita em Minas Gerais, cujas atividades foram alvo de CPI, em 1998, na qual ele também teria recebido ajuda do PT. Também é dono da Target Aviação, em São Paulo. Mesmo assim, a Justiça não foi capaz ainda de bloquear seus bens, embora o tenha feito com ex-diretores da Transbrasil (veja em Transbrasil anuncia que quer voltar).

Cipriani tem sabido cercar-se de pessoas-chave. Em 1978, ele era investigador do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) quando foi levado pelo então delegado Tuma à Transbrasil, para investigar suspeita de uso dos vôos de Manaus pelo narcotráfico – ou para proteger o dono da companhia, Omar Fontana, de seqüestro, segundo outra versão. Cipriani acabou ficando: Fontana gostou dele e o convidou a trabalhar na auditoria da empresa. Foi lá que ele conheceu Marise, filha de Fontana, separando-se de sua mulher para se casar com ela. Daí em diante, Cipriani galgaria a passos firmes os degraus da empresa, até chegar à sua presidência, em 1998.

Ainda nos tempos de Dops, o investigador ficou conhecendo outra figura marcante em sua vida: o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, que vinha tendo problemas com o temido órgão, culminando em sua prisão por um mês, em 1980.

No início dos anos 80, as secretárias da Transbrasil se divertiam imitando a língua presa de Lula, ao telefone: “O Celso está?” Vez por outra, Cipriani deixava o escritório dizendo que ia “comer rã com o companheiro”.

Segundo relatos de ex-funcionários da Transbrasil, figuras de destaque do PT voavam de graça nos aviões da companhia. O preço da passagem constava nos bilhetes, mas era estornado na contabilidade. Hotéis em Miami e outras facilidades também eram franqueadas, informam essas fontes. “Celso, você virou petista?”, provocavam funcionários com mais intimidade. “Desde criancinha”, brincava o ex-agente do Dops.

No chamado comício da vitória, na noite de 28 de outubro de 2002, em frente ao prédio da TV Gazeta, em São Paulo, Cipriani compareceu ao pé da escada do palanque e mandou chamar Roberto Teixeira, o advogado e compadre de Lula.

Teixeira, advogado também de Cipriani e membro do Conselho de Administração da Transbrasil, espetou uma estrela de petista da primeira hora na camisa do velho amigo e o alçou para cima do palanque, onde ele fez as vezes de papagaio de pirata do presidente eleito.

Cobertura – Faz tempo que Teixeira leva Cipriani até onde está Lula. Depois de morar de graça desde 1989 na casa do compadre, Lula comprou, em 1995, uma cobertura construída pela empreiteira Dalmiro, para a qual o advogado prestava serviços. O líder petista deu entrada no imóvel com um cheque de R$ 10 mil que Dalmiro Lorenzoni, dono da construtora, havia dado a Teixeira.

Em 1992, a mesma construtora pagou R$ 484 mil a Cipriani, por um terreno que ele havia comprado, oito meses antes, por apenas R$ 3,7 mil, conforme mostrou o Jornal da Tarde na época. A valorização brutal do terreno se explica pelo fato de o então prefeito de São Bernardo, Maurício Soares, na época do PT e amigo de Teixeira, ter desistido de desapropriá-lo. Teixeira era advogado dos três envolvidos no negócio: a construtora Socepal, que vendeu o terreno; Cipriani, que multiplicou seu investimento por 130 vezes; e Dalmiro.

O Estado contatou as assessorias de imprensa de Cipriani e Teixeira, mas eles não quiseram conceder entrevista. “Não falo sobre esse assunto”, disse Tuma, por sua vez.

Em novembro, quando o nome de Cipriani emergiu das investigações da CPI do Banestado, Mentor o recebeu em seu gabinete na companhia de Teixeira, de quem o deputado é amigo há quase 40 anos. Mentor garante que não recebeu orientação de cima para proteger o dono da Transbrasil. Segundo ele, o senador Antero “pinçou” o nome de Cipriani do banco de dados para “causar constrangimento” ao PT e ao governo. “Foi uma retaliação contra o relator por ter pedido a reconvocação de Gustavo Franco.”

“Não tenho interesse em entrar numa polêmica pública com o relator, mas ele defendeu apurar tudo de Beacon Hill, menos Cipriani”, disse Antero, referindo-se à conta no JP Morgan cujo sigilo foi quebrado. “Não tenho dúvida de que Cipriani movimentou um dos maiores montantes da CPI.” 


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